Uma pequena fábula portenha

Contam que numa noite, no porto de Buenos Aires, um gitano violinista encontrou um pedaço do Adagio em sol menor de Tomaso Albinoni escondido dentro do forro vermelho do estojo de um velho violino. Manolo não sabia ler música, mas insistiu noites a fio em decifrar os símbolos do manuscrito. Por conta da tarefa, até do vinho ele desistiu. Na época, Manolo não sabia que, no outro lado da cidade, morava uma dama que compunha canções espanholas e que pagava em prata para ouvir a música dos criollos. A dama não saía de casa jamais e seu endereço era um segredo de poucos: o prefeito, o cura e um outro, um gaucho que lhe prestava alguns serviços e do qual diziam que, por vezes, dissolvia seu fervor. Foi este homem quem conheceu Manolo numa rinha de galos e o levou até ela, ao saber de sua maestria ao violino. Manolo chegou altivo, como cumpria ser um cigano. Ela só disse: toque. Ele então tocou dois acordes e ela desfaleceu. Ele a tomou em seus braços e passou tempos tentando reconstituir para ela o último acorde, sempre esquecido. Um dia, de tanto desconfiar, o gaucho desembainhou sua adaga e acabou em definitivo com as suspeitas daquele amor, tonto de melodias. É por isso que a milonga é a música mais triste e sangrenta do mundo. A maneira como o gaucho passou a contar a história nos almacenes do porto passou mais tarde a chamar-se tango, na voz dos borrachos e na dança das meretrizes.

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