Uma pequena fábula ribeira

Contam que o homem tinha braços finos como caniços de pescador e que, a despeito disso, era o único no mundo capaz de mover o leito dos rios. Às vezes, por birra ou por atender ao pedido dos peixes, ele iniciava o trabalho, digno de Homero, de brincar com o desenho da costa do Brasil, de norte a sul. Ele ria a morrer da confusão que gerava entre cartógrafos, historiadores e bacharéis da cidade e seus sapatos lustrosos. O homem era um pouco índio e um pouco mouro, mas recusava o batismo, preferia viver sem nome nenhum, de modo que fosse impossível chamá-lo com uma palavra. O único meio possível era fazer com que o vento carregasse até ele melodias sinceras, ou então se o rastro dos olhares, que vigiava de esgueira, lembrasse o olhar molhado de sua mãe. Por tédio, talvez, às vezes ele vagava entre as pessoas, vestido igual a elas, nas cidades, em busca de quem lhe necessitasse, mas quem há de precisar de alguém cuja força só serve para mudar o curso dos rios? Então, cada vez mais ausente de si mesmo, ele foi se refugiando e encolhendo, diminuindo sua presença até deixar de ser notado completamente. Ficou tão pequeno que um dia acabou caindo dentro de uma casca de semente de jacarandá, em uma poça d’água que, aumentada pela chuva, acabou por encontrar depois as margens do rio Paraguai. E foi descendo, descendo, atravessando rios, arroios, sangas, até que bateu no fundo do Rio Grande do Sul – lá onde Anhangá perdeu as botas – e achou de descansar na toca de uma iara que não se importou de sua companhia e o embalou até o fim de seus dias sem nunca olhá-lo nos olhos, para que não morresse afogado e ela não parasse de cantar jamais.

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