Contam que a sua alma era tão silenciosa que ela podia ouvir até a desafinação das linhas de um caniço ao pescar lambaris. Ela chegava às suas conclusões calculando a razão entre o abaulamento da corda e a velocidade pela qual o vento derrubava ao chão as folhas das corticeiras. Tinha uma tão quieta que a fazia falar pelos olhos e por seu intermédio é que também conseguia escutar. Os peixes que ela pescava eram tão pequenos que todos os demais pescadores os desprezavam e riam do seu minúsculo tamanho e ameaçavam oferecê-los aos bicos dos pintassilgos, mas mesmo estes preferiam o sabor ralo das formigas e cascudinhos. Ela então observava os peixinhos no côncavo das mãos e eles pareciam agonizar de sede, diminuindo, diminuindo.. Longe dos rios e aguadas, sentada sobre uma pedra inalcançável da qual ninguém sabia o paradeiro, temeu tanto pelos pequenos lambaris que quase se desesperou. Naquele momento sofrido, o vento se apiedou dela e, de encontro a um canavial ali perto, começou a cantarolar uma melodia mais triste que a tristeza. Ela ouviu impassível, mas, quando sentiu o que o vento queria provocar-lhe, lágrimas correram pela face e jorraram de seus olhos como numa cachoeira, até encontrar a palma de suas mãos. Os pequenos peixinhos não cessavam de minguar, quase desparecendo, mas ao toque salgado das gotas encontraram forças para subir através e foram morar lá dentro dela: em alguma água escondida.