Se tem uma coisa que me incomoda profundamente em pessoas que passaram para a vida adulta é o egoísmo. O egoísmo não relacionado às coisas materiais, bens e etc (se bem que esse existe também e é igualmente incômodo…). Falo do egoísmo da experiência. Da auto-referência. Da mesquinharia peculiar que habita o interior de cada um.
O suprassumo desse egoísmo é aquela clássica frase que precede comparações quase sempre inadequadas e impositivas: “no meu tempo…”…
Bom, antes de mais nada, a não ser que a criatura já tenha partido dessa para a melhor, o seu tempo é o tempo presente e, até onde sei, ninguém declara entre seus bens, no imposto de renda, o tempo passado. O tempo passado é propriedade única do passado, a quem a memória acessa com recursos muito seletivos. Normalmente em benefício próprio, diga-se de passagem.
Acho que isso acontece porque precisamos nos convencer de quando em quando na vida que ela não é meramente um intervalo de tempo passado em vão. Nada mais justo. Excelente razão para a existência de um disco rígido na cabeça da gente.
A memória, talvez mais que amparar a escolhas futuras, serve para oferecer uma perspectiva de quem somos hoje, nos erguendo pelos calcanhares em direção ao que há pela frente, através das lentes que obtivemos ao longo da vida, além das que eliminamos.
Quando eu leio/ouço pais e mães falando/escrevendo a tal frase “no meu tempo era melhor, diferente, ou outro qualificativo qualquer do gênero” uma onda de tristeza invade meu espírito. E não fico triste pela frase em si mesma ou pela melancolia inerente a quem a desfere, mas pelo pessimismo subjacente a ideia toda.
Porque dizer isso é exatamente o mesmo que dizer “isso que você vive, meu filho, é muito ruim, vale menos, é pior do que tudo o que eu vivi”. Ou na variante futura, significa dizer que não vale sequer ter esperança no futuro, porque “no meu tempo” sempre será melhor. Tire seu cavalinho da chuva. Existe algo mais cruel para se dizer a uma criança ou adolescente? Por que grande parte dos adultos, afinal, não se abstém de condenar seus filhos a uma vida mais infeliz e com menos valor do que as suas próprias? Será que isso parece legal a alguém? Não posso crer.
(…)
Hoje acordei com a notícia de que o ator Roberto Bolaños, o Chaves/Chapolin faleceu. Triste notícia. Embora nunca tenha assistido com atenção, sei que era amado por um humor muito específico. O personagem cômico da minha infância é o Didi, dos Trapalhões. O do meu pai e da minha mãe, octogenários, era o Oscarito. Carlitos também, além de “O Gordo e o Magro” e “Os Três Patetas”. E meus avós, que viveram o começo da república brasileira, deviam ter algum ídolo do rádio, talvez. Mas acho que não. No interior do Brasil, naquela época, o lazer era feito interpessoalmente. E os circos duravam muito nas suas viagens, isso quando eles chegavam nos ermos geográficos da nação. Estou pensando na década de 20, do séc. XX, mais ou menos. Não sei do que eles riam, embora não tenha dúvida de que o fizessem.
Acho que Bolaños não gostaria de receber muitas das homenagens que estão recheando as mídias hoje. De que o mundo não será igual sem ele. Que humor bom era o do Chaves ou do Chapolin. Alguém que faz humor é porque não consegue guardar só para si a graça que sente. Precisa compartilhá-la. O humor é a atividade anti-egoísta por excelência.
De tudo, não sei quem serão os próximos responsáveis por esse humor ingênuo que encanta tanto crianças e adultos. Sei que haverá. Mas nem o Chapolin Colorado nem Didi Mocó nem Carlitos será melhor que eles. Serão sua continuidade, apenas. Como os filhos são de nós. Com direito, inclusive, a pensar que sua experiência (a mais trivial e a mais relevante) é inédita. E é. Não vamos massacrá-los com o nosso passado, por favor. Vá tirando seu cavalhinho da chuva.