Há um fruto ou legume (talvez) sobre o balcão da cozinha. Eu já tinha conhecimento, por terceiros, que esses plásticos travestidos de alimentos, como nuggets, hamburgeres e congêneres sobreviveriam intactos a quaisquer condições naturais por tanto tempo quanto o isopor, mas os tomates, até onde sei, eram para ser coisas (me falta um termo melhor) da natureza. Coisas vivas. Orgânicas.
Tsc, tsc. Vã ilusão. O tomate que tenho sob os olhos não reúne sequer as condiçoes necessárias à concepção mais elementar do que qualquer aluno do fundamental entende por “vida”.
A coisa ali em cima do balcão que atende eventualmente pelo nome de “tomate” sobreviveu cerca de trinta dias inteiros sob o sol inclemente de janeiro, enquanto estive fora de casa, intacto, sem qualquer vestígio de decomposição.
Antes que alguém imagine, não, não se trata de um fruto ou legume de plástico. Nada contra quem decora sua casa com imitações de vegetais. Quem sou eu para isso? Afinal, tudo indica que comprei uma coisa dessas para minha própria alimentação e de minha família..
Via de regra, costumo comprar alimentos vegetais em feiras ecológicas. Mas nem sempre consigo tempo. Às vezes outros compromissos me impedem. Aí o jeito é apelar para o supermercado. Os preços abusivos dos rotulados como orgânicos, ali boutiquizados, são de causar inapetência. Então às vezes resta fazer o que fazem 99% dos consumidores. Ir aos balaios comuns, onde se espera não encontrar-se vegetais inorgânicos, por exemplo. Mas definitivamente é só o que há por ali.
Agora me encontro nesse impasse compreensivo. Minha ignorância biológica não me permite saber se estou diante de um gênero alimentício modificado geneticamente, de uma criatura da natureza que recebeu doses cavalares de conservantes, de um produto emembido e conservado em tonéis de pesticidas ou de um suposto artefato alienígena, revelado ali no balcão da minha cozinha como indício e prova de alguma estratégia de colonização extraterrestre. Digo isso porque, por mais que tente, não consigo lembrar exatamente quando comprei o objeto.. E, talvez, não queira nem imaginar que não comprei apenas uma unidade. Ou o que fiz com as demais.. Ugh!
Seja como for, chego à conclusão de que esse possível exemplar da espécie Solanum lycopersicum poderia, sem problemas, ser cultivado no Saara e outras regiões agrestes do planeta. Trata-se de um ser (supostamente) biológico imune ao sol e que dispensa qualquer hidratação, ao que tudo indica.
Se ele lograr transferir suas propriedades, sejam quais forem, ao gênero humano através do gesto aparentemente banal do consumo, coisas que não imagino poderão acontecer.
Na melhor das hipóteses, poderá prestar um serviço à humanidade e levar à falência os fabricantes de filtro solar, além de nos tornar criaturas também melhoradas e mais aptas a sobreviver nesses verões desaguados. Alguém certamente deverá nutrir esperanças nisso, como o Cândido de Voltaire.
Na pior, melhores estudos precisariam ser realizados para garantir a segurança do produto. Mas há quem se preocupe com isso?