Fernando Brant é um colosso

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Num de seus muitos textos primorosos (ver aqui), a Eliane Brum faz duas sugestões letais. A primeira é uma constatação: “Há algo de melancólico, desestabilizador, em testemunhar o momento exato em que um imortal morre.” A segunda é sobre os efeitos da constatação: “De certo modo, é assim que o mundo da gente começa a morrer antes da gente.”

O que ela faz é dizer de um sentimento geracional, de perceber-se que o mundo como o conhecemos é povoado de ícones imortais que vão, aos poucos, partindo dessa para a presumivelmente melhor. Como se dissessem sem querer que o tempo compartilhado, em que se sabia mesmo remotamente da sua existência, vai escoando. O tempo vai escoando. E ninguém precisa entender de Física para perceber isso.

Ontem, quando li a notícia de que o Fernando Brant havia morrido, imediatamente lembrei dessas duas frases e, sem que notasse como, elas ocuparam o vazio que o pipocar da manchete começou a perfurar na minha memória. Mas então um tipo de magia sinestésica começou a acontecer, porque de cada rombo emergia um pedaço das músicas escritas pelo Fernando e cantadas pelo Bituca. E, como todo mundo sabe, a voz do Bituca exerce um predomínio incomum entre os sons que há no mundo.

Não era uma magia de libertação, acho que especialmente porque o que mais lembro do Fernando é uma expressão de perplexa generosidade, como de alguém que, com os olhos e com as palavras, sempre tentou dizer que não há muitas alternativas entre as pessoas senão o amor, a amizade e esses sentimentos tão evidentes na sua poesia.

E já que falei em poesia, é justo dizer que embora nem o Fernando nem os demais letristas da música popular brasileira sejam reconhecidos, a rigor, como poetas, seu legado em ter desencerado os ouvidos e a sensibilidade de uma, duas ou três gerações é colossal. Fernando Brant será sempre um desses colossos. E reconhecer isso, nesse momento de instabilidade, pode nos ajudar a situar na própria memória e na memória nacional, da qual ele tanto se ocupou fixando momentos irrepetíveis da música brasileira.

Uma consideração sobre “Fernando Brant é um colosso”

  1. Belo texto.
    Eu tive a nítida impressão de desamparo e de “there’s nowhere to run” quando ouvi a notícia da morte do Fernando Brant, justamente por considerá-lo um imortal.
    Um sentimento de perda tão grande que só pode ser comparado ao que temos quando um ente muito próximo se vai.

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