No meu passado, tive um amigo que tinha uma grande, imensa simpatia pela miséria humana. A esse amigo não comoviam a grandiloquência dos gestos de bravura, o desprendimento, a proclamação de uma moral, a narrativa de uma aventura, nada disso. A ele, importava mais conseguir viver sem notar as mesquinharias, tolices e futilidades mundanas, mas inutilmente.. A ele, interessava imunizar-se dos maus sentimentos e da indiferença, para ele o território ideal de todo o mal, mas não podia.. Buscar uma vida feliz, igualmente, lhe parecia sempre algo do inacessível, uma vez que dependia de cruzar diuturnamente com o que mais lhe fascinava e atraía nas pessoas: suas fraquezas. Este amigo bebia incansavelmente, como se pudesse purgar no próprio figado toda a amargura que testemunhava e da qual não podia livrar-se, não conseguia, não sabia como fazê-lo. Na verdade, este amigo não bebeu, mas foi bebido. Foi mascado e tragado em casamentos infelizes, negócios malfadados, afetos interrompidos. Tudo que imagino ou posso imaginar sobre a verdadeira aventura humana, ele que o viveu, de fato. Eu, um pouco apenas.. Não sei o quanto.. Sobre este meu amigo, não será provavelmente escrita jamais uma biografia. Talvez um rasgo de sua história se encontre em um trecho de Roberto Arlt ou John Fante, por mera semelhança. Nada de bustos, medalhas, honrarias. Lembranças fugidias sem registro, perdidas numa baforada ou em palavras ditas na rua ou num bar evasivo, de lugar nenhum do mundo ou então qualquer lugar, precisamente. Não tive bons nem maus momentos em sua companhia, mas tive, sim, sua companhia. Como ele levou-me consigo, de certo modo, deu-me vontade de estar com ele outra vez, por aí. Mas, como não posso mais, não é possível, sinto que pelo menos posso tentar guardá-lo aqui e agradecê-lo, de certo modo constrangido, por sua tolerância para comigo. Não foi em vão, era apenas o que eu desejaria lhe dizer. Mesmo que isso não lhe fizesse diferença alguma saber. Ou principalmente por isso.