Na falta de dicionários, lia listas telefônicas. Às vezes, lia os nomes como versos; às vezes, como se gente viva e conhecida.
Lembrava-se das viagens que imaginara ter feito, por exemplo, Antonieta de Medeiros Albuquerque por Paris depois do último bombardeio e as lágrimas das pessoas lendo Éluard, mas, porque num sonho, na tradução a quatro mãos de Bandeira e Drummond.
Antonieta pensando em português enquanto caminhava em Montparnasse, onde só se pensa em francês e ao som das taças dos cafés. Antonieta afetando o vento de Paris e dizendo em meia boca: “vida besta”.
Depois, as palavras de Antonieta sumindo à medida que os olhos escorregavam para Antônia Soares do Carmo, cujo sobrenome era mais português que os poemas de Fernando Pessoa escritos em inglês. O português do nome de Antônia era salgado de mar aberto, coisa que o poeta não viu por muito em sua vida, apenas imaginou demasiadamente ao anoitecer de um dia em que sentia-se tão diferente de si mesmo que inventou ser outra pessoa. Sentia-se ou sabia-se, vá saber-se.
Antônia Soares, como Bernardo; e depois “do Carmo”, como a igreja.
Quando eram nove horas da manhã, perguntou aos relógios até que horas mais os nomes lhe ocorreriam em sua forma viva. Havia que retomar os afazeres, as leituras sérias e os cuidados com a higiene física.
É meia-noite e os nomes estão fechados na lista telefônica.
Num papel branco, marcando uma página importante, o número 555167279877 sublinhado, e esse silêncio em que ela imagina sentir-se ou saber-se examinada também.

Depois da banda desenhada, o dicionário, foi o primeiro livro que li :)