Março é quando te crudelizas mais.
Desde que te conheço é assim.
O calor te excede de súbito,
ficas irrespirável.
E desértica, em ruas sem vida,
escorregas sob os pés
e te tornas mais fantasiosa.
Ninguém nunca te disse?
É o que me diz tua bocarra insone,
variando a pele camaleônica,
os olhos esbugalhados
repetindo anúncios que não cumprirás.
Nós dois sabemos que em algum momento
resolveste que era melhor mentir
a aceitar um destino modesto
como o dos teus residentes.
Na minha rua, uma senhora muito
velha está sofrendo há anos
a tua falta de bom senso
e, até agora, nada de ti. Enlouqueceste?
E se me dizes que não tens nada com isso
(como assim, nada com isso?),
eu estranho é o mau jeito
com que acordaste, em 1772.
É o porto para lugar nenhum
que te embaraça os sentidos? É
que o tempo te cerca cada vez mais
e não encontras saída?
Eu te digo, então, que não morreste
e para o futuro te empresto
meses da minha vida
sem esperar que sobrevivas.
Março é do pior calor que há.
É como um suor colado às roupas
e um vento inoportuno, do sul,
viesse te gelar os ossos por dentro.
Teus horizontes,
fímbria da noite e do dia,
sofrem de resgatar a ti mesma
e nossa bestificação.
Depois da chuva, encharcada
e triste como os becos mais alagados,
encontraremos as razões pelas quais
nunca escapamos completamente do teu amor.
E então colocaremos ao sol
o que resto da alegria em teu nome
ou porque enlouquecemos também
ou para que já não te salves de nós.