No amor, não há nada mais doloroso
do que a extração das metáforas;
tirar de si o estupor magnânimo
que a tudo desdenha e desobedece,
que esvazia os significados
e desnuda as paredes em branco,
que deserta a voz e anula o eco
e desfaz a lente especial
pela qual o mundo parecia outro,
parecia possível.
Nada mais doloroso pode haver
que retirar das músicas o seu enlevo,
deixá-las vazias, uma tigela
emborcada no nada.
Tirar a cor em cada coisa:
o azul cúmplice dos dias ensolarados,
o amarelo da tarde já feita em noite
fazendo de alguém
em ninguém, só a memória
afrontando o real, só
a aparência de que vive
no que morreu.
Pode haver algo mais doloroso
do que partir a uma estrada
que já foi apagada? Buscar
orientação, consolo
na solidez, quando tudo ficou
etéreo, gasoso?
Não pode. O delicado
embruteceu. Além disso,
resta só não ser recebido.
Nunca mais ouvir o alô.
A rua desligada, fantasmas
no caminho de outro passado
de volta, quando foi
desde o começo
o que se acabaria em silêncio.
Já nem tão dolorido quanto previa.
Metáfora nenhuma. A solidão
maior que uma palavra só.