Ó céu que consentes a noite,
que espelhas o trágico,
e sustentas o sublime.
Ó céu que me viste nascer
e me verás partir
e suspendes o infinito.
Onde me ocultas
o que devo saber
com todas as letras?
Onde me revelas
a noção de tudo
o que posso suportar?
não há tantos de ti
para tantos de nós
o suposto espetáculo de uns
que encerra o de outros
a permissão às flores
a confissão aos pássaros
ó céu cujo lamento
é só silêncio, como o meu
Onde deitarás meu consolo?
Numa praia distante
que eu não alcance?
Como drenarás
nossas histórias
se não escutas?
E por que te conto ainda
do que me esvaziei
como se ainda brotasse?
É o teu tamanho de abóbada?
A tua arte de nuvens?
O teu chamado perpétuo?
ó céu da minha infância
mais azul que o azul
eu te peguei uma vez
como a bolhas de sabão
e parti teus pedaços
como se fosse comê-los
ó ceu que consentes a morte
tu não esquecerás de mim
A tua voz de alaúde
é o que embaralha
o sentido de tudo
e é o que faz errarmos
uns nos destinos dos outros
como arrimos que desmoronam.
A tua seta
a flechar um a um
os dias e uma a uma as estações.
Mas tu não envelheces
e te acomodas para este banquete
em que nos degustas.
ó céu que inicias sem esperança
todos os dias
e que recomeças a morrer
a cada noite
parte que és de outro universo
navegas por nós, no tempo
mas nossa memória é curta
não é de ouro
ó céu
não és de ouro também