Onde estão os presentes,
pergunto ao meu pai
sem entender sua miséria.
Onde o recolho de sua fadiga,
dos dias carregando os couros,
do campo queimado de gelo?
Certa vez eu o vi nu
e chorava como se eu devesse
abraçá-lo – a minha insolência.
A cena era como se Atlas
houvesse jogado fora
o mundo pela janela
e eu nem estava
pensando
nisso.
Às vezes, vejo ainda o seu corpo
lutando com a alma, o maior dos touros,
e pensava como outro animal
prevendo seus passos, linguagem
que não se aprende –
só assimila.
Vejo-o perdendo-se
num acúmulo de tarefas, um galpão
atulhado de futuros
outrora destroçados avisando
de passados que não se concretizaram –
ou foram abandonados.
Há uma ignorância secreta
que não dividimos a ninguém
e nem a temos na memória,
lições extraviadas no tempo
que chegam às vezes
sem mais serventia.
Hoje sua voz não me comanda
e nem me pede mais nada,
como um moinho sem leme.
A verdade é que nunca perguntei
dos presentes
nem nunca imaginei que houvessem.
Só a vida é o bastante.
E alma que ela mantém
sob custódia.
Os presentes estão enterrados.
Não há que buscá-los mais
tão fundo na terra.
No mundo só um lugar existe:
aquele no qual estamos
agora.