A Suindara

Quem come carne de coruja enxerga o futuro
Luís da Câmara Cascudo

Quando ela conheceu a Ricardo? Quem sabe? Ninguém soube..

Foi tragédia que se antecipou ao amor.

Às vezes, isso acontece e nada há que se possa fazer em evitar. Lamentamos mais tarde, porque é disso que o tempo se aborrece e nos distribui tristezas. Tristezas do vivido e do que mal chegou a viver.

Foi numa tarde de rezas, só pode. Numa encomenda. Mas certo é que ninguém sabia quem era quem. Se ele era filho daquela, se ela era filho daquele. Como é o certo em amar – essa arte de ignorâncias que ninguém ensina e todos aprendem.

E a condessa, aquela mulher, se não teve piedade do filho que amava a mocinha, muito menos teve do seu pai em furtá-la.

Na sua arrogância, não temia as famas de feiticeiro e adivinho que ele tinha. Na sua opulência, pensava que a Suindara não estava à altura do filho Ricardo. A carpideirinha.. Um desaforo era na sua mente imaginar a miserável vivendo em seu palacete. E assim a mandou matarem sem deixar rastros, nos fundos de um campo santo, a modo de traição de alguém a seu comando.

Eliel, o pai de Suindara, não era homem de chorar e pela manhã vagou légua e meia pensando em silêncio, reunindo suas vacas como de costume, a fim de apojar de suas tetas o leite que colhia todo o dia para a menina. Mas as vacas fugiram dele como se quisessem poupá-lo de mais evidências da morte da única filha. E voltou para casa em fúrias, deitando ao chão o que encontrava pela frente. Quebrou vasilha e imagem de santa. Quebrou telha e o vasinho de flores da janela de Suindara. Mas a coruja de pedra que havia no beiral do quintal ele não destruiu. Abraçou a figura do animal encerrando-se em casa.

No silêncio da noite, a rasga-mortalha partiu e encontrou a casa da condessa que fingia consolar, a malvada, a tristeza do filho Ricardo. Sobre a cumeeira do palacete, piou três vezes o seu canto de morte. Pela manhã, a condessa estava morta com a roupa rasgada em três partes iguais.

O povo e os criados da casa teriam matado a coruja se Ricardo não a houvesse salvado. Mas ele fugiu à casa de Eliel e acabou indo viver com ele. Queria estar perto da Suindara e quando o velho morreu ele tomou seu lugar na casinha. E nunca ninguém entendeu como é que abriu mão de nome, fortunas e palacetes para viver numa simples choça de palha perdida no meio daquele sertão.

Livremente inspirada na tradição popular e em
“A Lenda da Coruja Branca”, de Luis Leite: https://youtu.be/kLgkSEvxab4

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