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O que é que a Noruega tem?

Revista Parêntese, ed. 138

Quem observa a ferramenta de busca a seguir, quase idêntica ao formulário oracular do Google, não imagina que a consultando desde alguma cidade norueguesa poderá ter acesso integral a quase todos os livros publicados no país (até 2025, eles pretendem que sejam todos mesmo). Sem pagar nada por isso, sem correr o risco de ser processado por pirataria e nem de prejudicar o negócio de ninguém. Sim, isso mesmo.

Captura da tela principal do website da Biblioteca Nacional da Noruega

Não obstante a estranheza do parágrafo acima, aqueles que pensarem que as medidas de digitalização tomadas pela Biblioteca Nacional da Noruega têm impactado negativamente a cadeia do livro norueguês irão surpreender-se ainda mais: por lá os números editoriais mantêm-se estáveis, e os livros podem ser inclusive adquiridos em livrarias que as próprias bibliotecas abrigam. Além disso, lá se publicou no último ano um livro para cada 530 pessoas, contra um para cada 4.500 brasileiros. Proporcionalmente, o pequeno país escandinavo publica cinco vezes mais que o Brasil.

Não convém criar caso, manda a prudência, com um sistema que funciona. Muito mais produtivo seria entender como isso pode acontecer e, se possível, tomar de alguns bons exemplos e práticas. Além do mais, comparar o Brasil aos países nórdicos é receita certa de dor de cabeça neste e em muitos outros assuntos. Também entender o que se passa aqui quanto ao assunto é fundamental, mas cada coisa em seu tempo. Escandalizando os sistemas educacionais do planeta com um modelo inteiramente subsidiado e gratuito, a Finlândia tornou-se, por exemplo, uma espécie peculiar de vilã internacional. Mas toda a vilania finlandesa consiste, afinal, em ter elevado a régua da qualidade educacional ao máximo possível, num sistema no qual o filho do chanceler divide tranquilamente a classe com o do recolhedor de lixo. Além da política educacional, todo o sistema de proteção social do país é escandalosamente funcional e democrático.

Mas uma vez que repetir o modelo educacional finlandês costuma causar depressão nos brasileiros, o modelo bibliográfico norueguês poderia inspirar medidas que cumpririam ambições mais modestas, mas exequíveis, tanto no que diz respeito à conservação da memória quanto ao desenvolvimento cultural.

Para chegar a um sistema online como o de que dispõe hoje, a Biblioteca Nacional da Noruega ampara-se no instituto do Depósito Legal, em negociações com as casas editoriais, com os proprietários de direitos autorais, em parcerias estratégicas com o uso de tecnologia digital e formação de um repositório livre, em acordo com a missão legal e prerrogativas da biblioteca e os pressupostos do Depósito Legal. Ao menos em tese, são instrumentos acessíveis a qualquer nação do planeta.

O Depósito Legal, no caso, é instrumento adotado em praticamente todos os países, por ato legal próprio, e vem modernizando-se no rastro da inovação tecnológica. Em torno da virada do milênio, primeiro a UNESCO e na sequência a IFLA (International Federation Library Association) publicaram diretrizes de modernização do instituto prevendo a inclusão óbvia de documentos digitais e orientando os sistemas de controle bibliográfico a incluírem em seu escopo muito mais que livros impressos, além de estes serem digitalizados. Isso tudo em função da razoabilidade técnica e do cumprimento dos dois objetivos fundamentais do Depósito Legal: preservação e acesso aos registros do conhecimento.

O que a Noruega guarda de diferença do Brasil, no caso, foi o fato de lutar para que estes objetivos não se configurem uma bela e inatingível meta, mas uma realidade factível. As demais estratégias são empreendimentos políticos e de gestão que encontraram um ramo editorial interessado em investir para além do comércio puro e simples. Não por acaso, muitos países vêm buscando seguir seu exemplo e negociar com os detentores de direitos autorais a cessão de uso ao menos para fins educacionais. Pode-se falar na Nova Zelândia, na Austrália e também em projetos nos Estados Unidos que, na história recente, receberam investidas jurídicas importantes no sentido de contrapor interesses comerciais e públicos.

No exemplo norueguês, no entanto, os inimigos do livro não são a tecnologia nem as bibliotecas, e lá o livro vale mais do que pelo que é vendido. É uma diferença sobretudo cultural que evidencia o abismo imenso, e, no caso brasileiro, parece nos encalacrar e condenar à estagnação de um mercado perenemente problemático, isso num um país que se notabiliza ano a ano por um decréscimo em seu número de leitores.

Permanência vs invisibilidade

Para aqueles que ainda imaginam que basta publicar para eternizar um trabalho de ideias, é dura a informação, mas a verdade é que publicar não é o suficiente. No Brasil, o ciclo de vida comercial de um livro no Brasil dificilmente passa dos dois anos. Três anos só mesmo para os longevos ou com forte apelo popular. Após esse período, é preciso considerar não ser nunca mais encontrado em lugar nenhum, a não ser em visitas às poucas bibliotecas em condições orçamentárias, isto é, em condições de atualizarem-se, pois o ciclo de vida do livro é curto, ao contrário dos longuíssimos direitos autorais. 

Para comprovar essa afirmação, é suficiente buscar livros publicados antes dos anos 2.000 para constatar a dificuldade. Não se encontra. Há não muito tempo, um clássico nacional como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, só era possível obtê-lo trocando pelo valor de um automóvel usado. Depois de 30 anos de ausência nas prateleiras das livrarias, apenas recentemente uma reedição alcançou a obra do sociólogo. Assim como ele, uma imensa bibliografia compreendida por livros esgotados de interesse histórico, que no mercado de usados extrapolam muitos milhares de reais para adquiri-los (como exemplo, é suficiente consultar neste link os livros mais caros à venda na Estante Virtual. São livros protegidos pelo direito autoral e pelo pecado da ganância.

Capa da 6ª edição da Ed. José Olympio de Raízes do Brasil (reprodução)

Todavia este não é um problema apenas histórico. Com novas tiragens cada vez mais reduzidas, é preciso entender a gravidade do problema e do custo dessa política em longo prazo. É que, fora dos grandes negócios editoriais, as pequenas tiragens impõem-se cada vez mais como as únicas viáveis. Se isso pesa no que toca ao universo de leitores, imagine-se então o impacto no controle bibliográfico, isto é, no conhecimento que o sistema editorial tem a seu próprio respeito.

Embora regulado no Brasil desde 1907 e existente desde o período colonial, por meio da Imprensa Régia, o Depósito Legal é um projeto frustrado muitas vezes pelo desconhecimento dos autores e editores nacionais, mas também por uma cultura descompromissada com a preservação das fontes e permanência dos bens culturais.

Para a felicidade dos especuladores do livro, leiloeiros e sebos que vendem a preço de diamante livros que por nenhuma outra razão não se encontram ainda disponíveis em meio digital, o Depósito Legal brasileiro claudica. O enfrentamento a essa situação não é simples, no entanto parece ser a única forma para que o ambicionado desenvolvimento cultural saia do papel para tornar-se um pouco mais real.

A frustração da biblioteca universal

Com a expansão da internet, a chegada da computação quântica e a facilidade de armazenamento, o sonho da biblioteca total não poderia ter maior viabilidade do que no mundo contemporâneo. Mesmo assim, nunca foi tão postergado quanto agora. No ciberespaço, dado o infinitesimal que cada brochura representa diante da imensidão da internet, e enquanto ele não se concretiza pela vontade oficial, em seu lugar prospera um mundo paralelo onde circula com muita facilidade o extremo oposto ao interesse editorial: a pirataria.

Mas a biblioteca universal é sonho antigo e recorrente na humanidade. Em Alexandria, a biblioteca não foi criada no Museion com outro objetivo que não o de reunir e facilitar a vida dos pesquisadores. Jorge Luis Borges, em suas obras completas, menciona o termo “biblioteca” quase duas centenas de vezes; em onze delas, o exemplo de Alexandria e da sobrevivência do conhecimento diante da intempérie da guerra e das invasões.

Muito recentemente, precisamente em 2004, o Google anunciou ao mundo o seu projeto Google Books, que na época consistia na digitalização de 10 milhões de títulos com direitos autorais decaídos das bibliotecas de Stanford, Harvard, Oxford, da Universidade de Michigan e também da Biblioteca Pública de Nova York. Não muito tempo depois, as big five, ou seja o pool composto por Simon & Schuster, Penguin Random House, HarperCollins, Hachette Book Group and Macmillan, embargaram as intenções da empresa em montar um imenso negócio envolvendo livros livres, trechos de livros e comércio. Frise-se que a parte comercial do projeto do Google mantém-se intacta, enquanto que os processos de digitalização em bibliotecas transformaram-se em projetos autônomos dado que o projeto original foi embargado judicialmente.

Livros livres, de fato, existem na internet, mas não tantos. Se fosse pelo desejo do criador do maior repositório livre da internet, Brewster Kahle, da Internet Archive, todas as bibliotecas poderiam exercer livremente a função para a qual foram pensadas ainda na antiga Alexandria: a consulta, cópia e o empréstimo de obras. Num trabalho sem fins lucrativos, Kahle é mais uma das tantas pessoas que considerou razoável que a internet fosse mais que um espaço de vendas e pudesse incorporar o significado edificante da biblioteca universal. Em 2020, Kahle foi processado por um conjunto de editoras que exigiram que parasse de emprestar livros digitalizados em geral e que destruísse permanentemente os milhões de livros digitais obtidos em acordo com mais de uma centena de bibliotecas. Em artigo publicado na Time, em 2021, ele diz que os grandes negócios editoriais impedem que as bibliotecas adquiram livros digitais e os emprestem, apontando para o fim de sua autonomia.

Brewster Kahle, da Internet Archive.

Outra expectativa foi publicada há mais tempo no NY Times, pelo editor da Wired, Kevin Kelly, num extenso artigo no qual expressou a crença de que é impossível evitar que a tecnologia acabe fazendo por sua conta o que as grandes editoras têm procurado conter. Mas Kelly é um entusiasta da tecnologia e mais uma das pessoas maravilhadas pela possibilidade da consecução da biblioteca universal acessível a um clique e diz considerar incompreensível a orfandade de cerca de 75% de todos os livros guardados pelas bibliotecas públicas em todo o mundo. De acordo com ele, trata-se de livros que não se encontram mais à venda e nem estão disponíveis digitalmente. Em sua maioria, são obras protegidas pela vigência legal dos direitos autorais exercendo uma pressão estática justamente contra quem os preserva: as bibliotecas.

Disputas envolvendo bibliotecas e editoras ou escritórios de direitos autorais estão longe de consistir uma novidade. Desde a Convenção de Berna, de 1886, sobre as bibliotecas recaiu essa missão dúbia: ao mesmo tempo preservar e providenciar acesso ao conteúdo dos livros. Em 2014, um caso envolvendo a biblioteca da Universidade Técnica de Darmstadt e a editora alemã Elgen Ulmer foi parar no Tribunal de Justiça da União Europeia. A causa em questão? O fornecimento de uma cópia da digitalização de um livro. A decisão do tribunal reconheceu o direito à biblioteca em fornecer acesso ao conteúdo do livro, desde que sem os direitos conexos de cópia e impressão. A editora recorreu da decisão ao Tribunal Federal de Justiça da Alemanha. 

Nos Estados Unidos, em 2013, a Author’s Guild (maior e mais antiga agência de direitos literários norte-americana) moveu contra o Google um processo por violação ao fair use de 20 milhões de livros disponíveis no Google Books. Trata-se de trechos dos livros digitalizados para o Google que não chegam a consistir uma agressão aos direitos autorais. Mas a ameaça (e a evidência de que os livros estão inteiramente digitalizados em algum lugar) foi suficiente para a ação. A decisão proferida pelo juiz Denny Chin beneficiou o Google. Ao revés das decisões europeias e norte-americanas e com o aumento exponencial de denúncias de uso irregular e abusivo de obras protegidas em redes sociais como o YouTube e o Facebook, por sua vez, em 2018 o Parlamento Europeu aprovou uma nova Diretiva de Direito Autoral mais restritiva, mobilizando mundo fora mais ações caracterizando como pirataria o fornecimento de acesso a conteúdo autoral protegido. 

Assim como a utopia da biblioteca universal não se materializa, o cabo de força do direito autoral aparentemente não tem fim. Igualmente não tem fim a fantasia em torno do “fim do livro”, assunto que rendeu a diversos historiadores e intelectuais volumosas páginas de brochuras. O espaço aparentemente infinito e inexplorado da internet em algum momento parece realmente ter sacudido o modelo editorial vigente desde Gutenberg. De algum modo, a ascensão das gigantes tecnológicos como o Google e a Amazon sacudiu o mundo empoeirado das bibliotecas até então. Hoje, não é mais possível imaginar-se uma biblioteca nos mesmos moldes do inicio do séc. XX, e países em condições de investir acabam criando soluções criativas e democráticas – como o exemplo norueguês. 

Em 2001, Jacques Derrida reviu em Papel-Máquina a sua Gramatologia, de 1967, no qual havia previsto o apocalipse editorial e a apoplexia do conhecimento escrito. Neste último, reconheceu que a crise do livro não se confunde mais com a crise do suporte, mas da própria capacidade de leitura e interpretação. A essa altura do séc. XXI, já não há mais quem em sã consciência duvide de que se disponha da técnica disponível para ampliar-se o acesso ao conhecimento sem causar um prejuízo incontornável aos autores literários. Há também instrumentos legais garantindo que as recomendações da UNESCO atendam, de fato, ao objetivo do desenvolvimento cultural. No entanto, mesmo com tudo isso, a realidade cultural especialmente de países que mais precisariam desse incremento emperra inexplicavelmente no desinvestimento e no desinteresse social. Enquanto isso, leitores potenciais cada vez mais se afastam da leitura e, por consequência, da própria identidade e memória literária e histórica.


Pós escrito

O trecho a seguir é uma tentativa de responder à pergunta formulada num artigo anterior, publicado na edição #138 da revista Parêntese, intitulado “O que é que a Noruega tem?”

Kulturarven skal ut til folket (a herança cultural deve ir para o povo). Com essa simples frase, por meio da sua Biblioteca Nacional, o governo norueguês justifica os grandes investimentos realizados pela instituição no sentido de implementar a digitalização de todo o patrimônio cultural norueguês. Trata-se mais que uma frase, mas de um princípio que os noruegueses, talvez como nenhuma outra nação do planeta, decidiriam concretizar.

O prédio da imagem a seguir é justamente o Centro de Digitalização do Patrimônio Cultural da NasjonalBiblioteket. Ali dentro, conforme a imagem ao lado, não há livros e nem revistas, mas petabytes guardados num processo de backup que é renovado de cinco em cinco anos, a fim de que se previnam perdas e de que as fontes mantenham-se armazenadas em veículos legíveis e de código aberto. Em razão desse cuidado, 50 milhões de arquivos de imagens tratados inicialmente em formatos proprietários já foram convertidos para formatos mais duradouros. Os sistemas de backup são baseados no Oracle SAM-FS e a digitalização executada por meio de dois scanners HDR – Scanity, equipamentos com a capacidade de restauração e reparo no tratamento de imagens.

Obviamente que um projeto dessa magnitude depende de um investimento a altura. Em que pesem os esforços da Biblioteca Nacional em implementar esse trabalho venha desde o início do século, recentemente a constituição de um “banco da memória nacional” ensejou um incremento orçamentário da ordem de 90 milhões de euros. Imagens internas e externas dos equipamentos mostram que o investimento é aplicado com racionalidade extrema e todos os excessos e supérfluos são evitados.

Como se trata de um projeto de longo prazo e que procura tratar e armazenar, além de toda a produção bibliográfica nativa, recursos informacionais de instituições públicas e privadas que aderem a um modelo contratual que prevê etapas de tratamento e compromissos de disponibilização inteiramente públicos, os números não são econômicos.

Firmados os contratos, a equipe da Biblioteca Nacional assume o processamento técnico condicionando as espécies de material e suporte, com base num sistema de prioridades que prioriza documentos em estado crítico, como manuscritos em risco de perda definitiva. A estimativa é de que o trabalho seja estabilizado em torno de três décadas.

Até 2018, os números obtidos estavam em torno de:

2,000,000 jornais impressos, cerca de 40,000,000 de páginas;
540,000 livros, cerca de 80,000,000 de páginas;
700,000 páginas de manuscritos e partituras;
1,300,000 fotografias;
1,400,000 horas de transmissão de rádio;
950,000 horas de transmissão de TV;
55,000 registros musicais;
16,000 unidades de filmes e vídeo;
24,800,000,000 páginas da web.

O escopo do projeto é de acesso on-line gratuito e ilimitado a IPs noruegueses.

Outro projeto sediado na Noruega, na cidade mais ao norte do mundo, Svalbard, sob o permafrost do Ártico, inclui um cofre digital com os registros de código aberto desenvolvidos por, entre outros, Linux, bitcoin e Android. Além dos softwares, o repositório guarda documentos cedidos pelos principais arquivos digitais das bibliotecas do mundo, tais como a Vaticana, o British Museum entre outros. A proposta do Artic Vault é durar pelo menos um milênio e preservar registros da humanidade no caso de que as condições de vida, enfim, não sejam promissoras.

Uma crítica absolutamente inválida aos noruegueses é que estejam sendo demasiadamente pessimistas. Talvez, e nisso eu creio também, eles apenas levem a sério a frase do filósofo francês Paul Virilio que divide as pessoas do mundo em duas categorias: os pessimistas e os mentirosos.


A prima-pobre do setor livreiro

IHU on-line

Primas-pobres na grande família do sistema literário brasileiro, as bibliotecas públicas agonizam num mercado que se volta cada vez mais à bibliofilia.

O texto podia parar aí mesmo porque inclusive entre pessoas que não frequentam o espaço de bibliotecas (ou por isso mesmo) sabe-se que esta é uma realidade que vem sendo decantada ao longo da história cultural brasileira, especialmente a partir da explosão digital dos anos dois mil. No entanto, a afirmação é insuficiente para compreenderem-se as dimensões do problema. É preciso servir-se de esclarecimentos e maior precisão.

Como primas-pobres, cabe-lhes a atenção ocasional, as roupas usadas que não servem mais e uma promessa de crédito que raramente se cumpre, imaginada desde projetos legislativos que, afinal, parece que tudo bem se nunca forem cumpridos. Não há quem os fiscalize ou tenha em alta consideração. É por isso mesmo que, do Oiapoque ao Chuí, seguidamente vê-se o estado falimentar e número insuficiente de prédios deteriorados da administração municipal e estadual que apontam para a obsolescência do interesse genuíno da sociedade brasileira em cumprir a utopia constitucional de igualdade.

É a internet, diagnostica o senso comum. Bem poderia ser, mas a internet não foi o suficiente para que outros países do mundo deixassem de investir em novos espaços e ampliações. É preciso, pois, explicar a natureza da discrepância. Em vésperas do ano 2000, por exemplo, a Dinamarca reabriu o seu “diamante negro”, a impressionante Biblioteca Real Dinamarquesa. Em 2006, em Taiwan, inaugurou-se a sustentável sede da Biblioteca Pública de Taipéi. No México, fundou-se a Biblioteca Vasconcelos em 2006.

Em contrapartida, de acordo com a FEBAB e o IBGE, o número de instituições públicas vem caindo (de 97,7%, em 2014, a 87,7%, em 2018). No âmbito educacional, o cenário não é melhor. Informa o Censo Escolar de 2018 que metade das escolas brasileiras ainda não contam com bibliotecas. O “atenuante” é que há projetos de lei jogando para um buraco negro temporal a obrigação de cumprir a Política Nacional do Livro, como o Projeto de Lei 4003/20. Menos mal que o projeto continua emperrado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.

As comparações são reiterativas, dolorosas e detratam não apenas o descaso político, mas a distância que se amplia em relação ao restante do mundo no único desenvolvimento sustentável efetivo: aquele que é mediado pela educação. Os indicadores são ásperos e os resultados socializados na materialização da precariedade que atravessa o país sob qualquer angulação.

No entanto as bibliotecas padecem por outras razões também. Há a autosuficiência de um mercado que se organiza pela relação paradoxal entre um tempo de leitura cada vez mais escasso e ofertas cada vez mais torrenciais e inacessíveis. Há ainda o fantasma da hipertributação proposta pelo governo federal assombrando o mercado e consumidores. Não bastasse isso, o vaticínio permanente do anacronismo a encantar gestores ávidos por economia sem notarem que o que fazem é investir no empobrecimento.

Certamente não foi em razão do investido nas bibliotecas (cuja maioria vive sem orçamento próprio), mas paulatinamente o ciclo do livro nacional foi se transformando numa cadeia de exorbitâncias. Apesar disso, pesquisas regulares como as realizadas pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e pelo Instituto Pró-Livro demonstram que a projeção de quebra no começo da pandemia foi em parte detida pelo incremento do comércio digital num patamar de crescimento em torno de 41% em 2021.

Apesar da recuperação, a tendência de queda histórica se consolida em quase 40% desde 2005, pelos números da Câmara Brasileira do Livro. Exorbitância negativa, a caixa-preta dos direitos autorais continua indevassável e objeto de dúvidas permanente, dada a subjetividade da composição de preços e dificuldade em aquilatar-se a expressão real das vendas. Na pandemia, com a ausência de eventos, a crise foi ainda mais nitidamente exposta no que toca ao ciclo.

Embora as bibliotecas públicas participem cada vez mais marginalmente do setor, a situação de subdesenvolvimento exaspera uma população que, por conta da dinâmica de leitura imposta pelos canais digitais, cada vez mais se afasta do mundo da leitura. Seja pela política de preços das editoras que compensam os baixos números com altos valores ou pela substituição de fontes de informação, o setor se especializa cada vez mais em torno de consumidores de alto poder aquisitivo. Os valores praticados para o mercado de tiragens cada vez menores exorbitam, por sua vez, na composição e consolidação do livro como artigo de luxo. Como exemplo disso, basta ver a que títulos e edições se referem os valores mais altos praticados na Estante Virtualmarketplace mais utilizada pelos sebos no Brasil.

Se dirigir o olhar para exemplos de países que investiram massivamente na educação e amparo à leitura no mundo contemporâneo, como Índia e China, é insuficiente e arrebatador, então o que se pode pedir é que o setor se comporte com menos voracidade. O custo da voracidade é diretamente proporcional à dissolução do mercado consumidor, como já atestou a crise das duas grandes redes brasileiras, Cultura e Saraiva. Aplacaria os efeitos colaterais danosos, talvez, um esforço em garantir o livro após o esgotamento do seu ciclo comercial, justificando o investimento na acessibilidade digital e universal. Ao invés de simplesmente tributar, reinvestir o valor nos elos fracos da cadeia. Por complexa, a problemática não será resolvida por uma sublimação do valor simbólico do livro, quem sabe mais pelo empenho em recuperar a cadeia e evitar ao máximo o desperdício do bem cultural.

Livros de viagem

Artigo publicado no Caderno de Sábado do Correio do Povo, 29/02/2020.

Em 1910, muito antes que os primeiros youtubers e coaches literários pisassem sobre a terra, Robert Musil tinha os nervos quase em colapso após uma experiência que transcreveu mais tarde para o seu O homem sem qualidades. No que no livro ele chama de “hospício de livros”, Musil viveu a experiência real de ser um dos bibliotecários da Universidade Técnica de Viena, cargo obtido após o sucesso do biográfico O jovem Törless. Segundo seus biógrafos, parece que lá ele projetava ter o sossego necessário para desenvolver seus posteriores projetos literários. O trabalho, no entanto, acabou revelando-se exasperante em vista da segunda explosão bibliográfica ocorrida logo após a Revolução Industrial (a primeira ocorreu no séc. XVII com a popularização da prensa). Lendas contam que ele redigiu as mais de mil páginas de O homem sem qualidades também como vingança pela extenuante experiência laboral catalográfica na “bibliografia das bibliografias”.

Mais de um século após, e com a sobreposição da revolução tecnológica (sem que a industrial tenha jamais pausado), pense-se no quão exasperante pode ser a um ser humano dotado de apenas um cérebro e uma vida indicar, que seja, apenas um livro a alguém, não interessa quem. É uma tarefa efetivamente impossível e, dada a recente compulsão por listas de recomendações, às vezes parece que estamos todos a tentar compilar a “lista das listas” como se esta fosse a finalidade em si mesma da leitura ou, como em Musil, a única leitura possível.

Objetivamente, tudo se resume ao critério da ignorância, ou seja, todos reconhecem que é humanamente impossível ler todos os livros ou ter absoluta certeza de que o próximo da lista, qualquer que seja ela, não pudesse ser muito superior ao precedente. Como solução para o impasse que vem desde Alexandria, literatos costumam valer-se de recomendações canônicas enquanto que leitores comuns, por outro lado, parecem mesmo tentados a cada vez mais procurar outras fontes de lazer. É pelo menos o que tem demonstrado os achados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada numa parceria entre o IBOPE e o Instituto Pró-Livro e que deve ser reeditada no ano de 2020.

Nessa dissociação, todavia, todos conseguem decodificar rapidamente os males que se refletem na vida de cada um decorrentes da deterioração do hábito de leitura. Não raro se aponta que muitas dificuldades do mundo contemporâneo também possam ter alguma relação com as capacidades intelectivas obtidas (ou perdidas) pelo hábito e, especialmente de ficção e poesia, cujo efeito já foi equiparado por neurocientistas a terapias que retardariam o declínio das funções cognitivas e poderia ajudar a prevenir inclusive condições como ansiedade e depressão. Seja na aquisição de capital cultural ou no aprimoramento das capacidades interpretativas, também dificilmente alguém se oporia à ideia de que estimular a leitura é condição fundamental para a melhoria de toda a vida social. A constatação é das mais banais. Enfrentá-la é que são elas.

Uma das perspectivas em evidência obedece à lógica que o sociólogo francês Pierre Bourdieu denominou em seus livros por “distintiva”. Quase toda ela reside na vantagem social e simbólica decorrente do acúmulo de capital cultural, mesmo desconsiderando variáveis perspectivistas. Embora pareça ser a preferência entre literatos e adictos, não raro os leitores comuns a interpretam como afetação e objetificação, portanto há que se ponderar em seu uso com objetivos de convencimento. Em tempos de guerras culturais, a perspectiva compete muitas vezes mais na autoafirmação pessoal que num efetivo interesse de disseminação do hábito. E, considerando-se que a interpretação costuma ser a primeira baixa e a mútua incompreensão a principal moeda corrente das comunicações digitais, é relevante pelo menos que se tenha ciência dos limites “pedagógicos” interpessoais, mesmo em face dos melhores objetivos.

Outra perspectiva em questão, bibliófila, trata de um estímulo positivo e direcionado à difusão do hábito de leitura, revalorização das bibliotecas em detrimento da tecnologia e iniciativas mais convidativas que pedagógicas. Nos últimos tempos, talvez ninguém como o argentino Alberto Manguel, atual presidente da Biblioteca Nacional Argentina (cargo já ocupado por Jorge Luis Borges), encarne o papel de divulgador literário, principalmente depois da morte de Umberto Eco.

Uma ideia defendida por ele, de que muitas vezes os livros ensinam mais dos lugares e culturas remotas do que até mesmo podem fazer as viagens, pode servir de consolo para quem, em tempos difíceis, sequer pode viajar a lazer. Mas o que ele deseja dizer é que a espécie de viagem que sobretudo a leitura ficcional permite fazer é muito diferente da que é disponível em sua forma consumista.  Ou seja, viajar “estando” num outro mundo, não apenas “visitando-o” e “reportando-o”. Desse modo, e contrariando a tendência predominante que nos condena a estar na mesma posição em qualquer lugar, ou seja, consultando um smartphone, a leitura de ficção pode efetivamente transportar a mente, principalmente se por meio de histórias interessantes e, melhor de tudo, ciceroneada por pessoas habilidosas como são os bons escritores.

Por outro lado, é preciso lembrar que a leitura de literatura e ficção é apenas parte do conjunto de livros que há para ler e se o declínio do hábito de leitura se deve às exigências culturais cada vez mais indisponíveis, não se pode esquecer também do principal vilão evocado quando o brasileiro dá a conhecer sua média de três livros por ano: o tempo. Ao lado da irrefutável imensidão de oferta de títulos, é preciso igualmente usar de honestidade ao admitir a prevalência de outras leituras e fontes de lazer. Tudo a competir com o tempo e com as escolhas de cada um em gastá-lo.

Já o mundo não é o mesmo do crítico Émile Faguet, que recomendava que, para aprender a ler, “é preciso ler bem devagar, e em seguida é preciso ler bem devagar e, sempre, até o último livro que tiver a honra de ter sido lido por você, será preciso ler bem devagar”. No país que mais usa ansiolíticos no mundo, convenhamos que é uma recomendação para lá de inquietante. Embora o prazer da leitura venha sendo nitidamente substituído por outros prazeres e compulsões, talvez seja possível um exercício justamente de tempo para levar a efeito uma atividade que inicialmente possa ser assombrosa como, por exemplo, a leitura das mil e tantas páginas de O homem sem qualidades – ou qualquer outro livro.

Nesse exercício, é desnecessário realizar uma equação das recomendações de fim de ano das pessoas mais respeitáveis do ramo. Recomendável também ignorar as listas de mais vendidos ou livros premiados. E, mais importante que decidir por comprar, por tomar emprestado de um amigo ou de uma biblioteca ou mesmo de livros já lidos e relidos, importa aproveitar qualquer livro como passaporte para uma viagem na qual lhe podem acompanhar as mentes mais imaginativas e poéticas com que o mundo já contou, em direção a lugares do mundo que nunca se tenha pisado antes ou mesmo que já não existam mais, quer seja num país distante ou no bairro ao lado. Este privilégio impagável de tomar parte nos dramas e alegrias humanas requer o sacrifício de penhorar, quando possível, apenas o tempo que mais tarde seria lamentado como perdido.

O leitor como metáfora (e realidade)

De década em década, o argentino naturalizado canadense Alberto Manguel refaz do seu principal objeto de estudo: a história da leitura e dos livros. No final de 2017, foi a vez das Edições SESC engrossarem sua bibliografia brasileira com a publicação de O leitor como metáfora.

Autor de dezenas de títulos, dentre os quais os já clássicos A história da leitura (1996) e A biblioteca à noite (2006), Manguel, que em 2016 voltou a Buenos Aires para dirigir a Biblioteca Nacional da Argentina, empreende em seu mais recente livro uma criteriosa investigação taxonômica a respeito dos leitores. Mesmo que possa tratar-se de modelos ideais, ou protótipos, é de pensar se seu objetivo não seria justamente identificar as pessoas potenciais com que atingir tanto através de suas obras quanto por sua atuação a frente da prestigiosa instituição. Seja como for, é bastante provável que ele se valha muitas vezes de sua própria experiência como leitor para uma das mais antigas tarefas que se realiza em bibliotecas: a classificação.

Na proposta de seu ensaio, basicamente o que se distinguiria são três espécies de leitores. Como expresso com muita clareza no título, haveria por primeiro o leitor viajante, ou seja, aquele que porta e deixa-se levar pela silenciosa aventura livresca; os que buscam o isolamento mundano e o conhecimento através da leitura (os ocupantes da torre); os que devoram (e porventura por eles são devorados) livros com avidez indiscriminada e que não poderiam ter denominação diversa de “traças”.

Embora simples, a taxonomia de Manguel tem o apuro de um leitor dos mais experimentados. Ao invés de uma proposição meramente literária ou historicista, Manguel vai organizando, das tradições literárias, as metáforas e significações que o ato de ler revela da relação do humano com o mundo; ao menos em sua experiência, não haveria interpretação do mundo sem leitura e por essa razão o ato de ler espelharia as próprias capacidades interpretativas dos indivíduos. Mas, se serve de advertência, é provável que quem buscar encontrar em seu livro apenas laivos de uma erudição afetada será, entre os leitores, o que mais se frustrará. As citações de Manguel também não obedecem a nem uma espécie de crivo acadêmico e dizem mais respeito aos encontros que escritores e leitores parecem operar durante a experiência de leitura mesmo que séculos após a morte dos primeiros; mesmo que os meios para tanto não sejam necessariamente o do texto impresso. A felicidade da leitura e de seu “ofício”, para Manguel, estaria mais relacionada ao empenho e enlevo que o leitor desenvolve pelos livros a partir do efeito da leitura do que por qualquer culto material do objeto livro.

Transportando as suas diferentes “espécies” de leitores através dos tempos, ele vai dessa forma dirigindo os leitores às suas respectivas metáforas; em determinado momento chega a parecer que deseja mesmo encaminhar os leitores de encontro aos autores que vai identificando em sua taxonomia. Remetendo-se desde a antiguidade sumeriana, através da epopeia cuneiforme de Gilgamesh, passando pelos manuscritos de Dante, os códices de Leonardo e chegando aos já impressos Shakespeare, Cervantes e Montaigne, Manguel avança em direção ao séc. XX ao mesmo tempo em que regressa livremente a autores de todas as épocas, sempre que um autor possa lhe servir na exemplificação das muitas formas de existir no mundo, de comportar-se nele e também de recriar continuamente a experiência da vida, esta que seria a tarefa inadvertida dos escritores de todos os tempos e culturas.

Ao passo em que pode ser percebido tanto quanto uma continuidade de sua permanente exortação à leitura, para leitores menos experientes, todavia, seu livro pode ter um efeito, digamos, acachapante. Ou como poderiam sentir-se leitores inexperientes diante de um desfile intermitente de nomes, títulos e citações? Dotado de um conhecimento que se poderia denominar por enciclopédico e não fossem escritos sem o menor traço de pedantismo, seus livros poderiam muito bem ser tomados como proselitismo cultural ou fútil ostentação. Porém não é disto que se trata; longe disso.

Antes de qualquer coisa, é preciso saber que se trata de um autor cuja principal preocupação é a difusão do hábito da leitura e, a menos que se tenha inventado alguma espécie de malabarismo telepático, parece totalmente impossível a qualquer um a tentativa de advogar em nome dos livros sem mencioná-los. Além disso, em sua gestão na Biblioteca Nacional da Argentina, notadamente Manguel vem investindo em todas as frentes: na conservação de originais, na expansão de coleções, na digitalização e difusão intermidiática e na promoção e atração de novos leitores. Em entrevista concedida ao portal Perfil, logo ao assumir o cargo ele já afirmava desejar perseguir a ideia de uma biblioteca para todos os leitores e interessados. Parece que a ideia borgeana de uma biblioteca universal, pelo menos em solo argentino, encontrou finalmente quem a desejasse continuar.

Não é à toa. Enquanto ao mesmo tempo abandonava a instrução formal da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, por considerar os estudos formais aborrecidos, o diletante Manguel iniciava sua carreira literária concomitantemente a de editor. Em meados da década de 60, tornara-se “ledor” de um Jorge Luis Borges já cego e que coincidentemente dirigia a Biblioteca Nacional da Argentina na mesma época; desse encontro é como se houvesse estabelecido para ele um encantamento pela literatura e, sobretudo, pela leitura enquanto hábito individual. Sua formação, completada pelo trabalho como jornalista e editor, é a de quem erigiu uma carreira viajando através de vários países e investigando incessantemente a história literária. É muito provável, portanto, que Manguel tenha desenvolvido a taxonomia do seu novo livro também a partir da auto-observação.

Quanto ao que se refere ao desejo de fomentar a curiosidade nos demais, este parece ser um hábito comum entre os bibliófilos de um modo geral. Porém, como parece ser recorrente a quem tem por missão institucional propagar o livro e a leitura, um impasse oculto às vezes mostra suas sombras em seu livro. Trata-se da irresolução peremptória da efetividade de qualquer política cultural voltada ao assunto e expressa na dicotomia estabelecida entre, por um lado, a popularização do hábito da leitura e, por outro, a especialização do público leitor.

Provavelmente por ser um autor prolífico e a primeira vez que Manguel está atuando institucionalmente (e logo na mesma biblioteca que Borges dirigiu), outras reflexões a respeito do assunto deverão advir da experiência. Isso no que toca aos interessados no assunto deverá ser um deleite por si só, ainda mais que, após a morte de Umberto Eco, há cada vez mais poucos autores notabilizados pela devoção e divulgação da cultura livresca universal quanto Manguel. Há com certeza os historiadores que se dedicaram ao tema, como Roger Chartier e Robert Darnton, mas em ambas as investidas historiográficas o que se mais pode notar são preocupações que giram em torno de explicar a evolução da tecnicidade da instrumentação escrita, sua reprodutibilidade, análises sobre o colapso do espaço físico das bibliotecas, a expansão contínua dos formatos digitais e a segurança e conservação do conhecimento em vista ao desenvolvimento das tecnologias da informação.

Sem dúvida que todas as preocupações e iniciativas em utilizar beneficamente os recursos tecnológicos são bem vindas e necessários, mas em absoluto não é este o centro das inquietações de Manguel. Para ele, interessa mais seduzir e cativar ao leitor do que porventura ele possa estar perdendo do que condená-lo à danação da ignorância, como, aliás, convém a um bibliotecário proceder. De todo o modo, não se imagine que equilibrar uma equação dessa natureza é tarefa fácil do ponto de vista da gestão cultural de acervos bibliográficos. O que não parece faltar em Manguel, todavia, é o cimento de não desviar-se de um trabalho de lenta e muitas vezes invisível consolidação dos espaços afetivos e também físicos com que uma sociedade se relaciona com a cultura letrada, que parece cada vez mais dispensar de quem a organize, valorize e promova.

Seja como for, na vizinha Argentina ou aqui mesmo, no Brasil, as dificuldades são inumeráveis e o cenário educacional e cultural um tanto quanto amedrontador. Não são comparáveis, portanto, aos moinhos do Quixote, os desafios de quem propugna por valorizar os livros e a leitura. Neste caso, os gigantes podem ser compreendidos em dados obtidos regularmente através de pesquisas e levantamentos que se fazem em todo o mundo, inclusive no Brasil.

No Brasil, quanto e como se lê?

Dos indicadores e estatísticas a respeito do Brasil contemporâneo, poucos soam tão assustadores quanto os dados sobre proficiência em leitura levantados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial através do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).

No relatório, pode-se saber entre outras coisas que no que diz respeito à eficiência com que um texto escrito é interpretado, o Brasil mantém-se estável desde 2006, mas com indicadores mais distantes da média dos demais países aferidos e, por outro lado, mais próximos das piores taxas, além de projetar uma defasagem em relação aos países desenvolvidos que se resolveria em séculos ainda (cerca de 256 anos). Unindo-se os resultados aos de outras pesquisas, como a Retratos da Leitura no Brasil, promovida pelo Instituto Pró-Livro e realizada pelo IBOPE, a sensação é de premência de uma calamidade. Trata-se, porém, de uma calamidade silenciosa e que ao longo do tempo tem ensurdecido autoridades, editores, educadores, bibliotecários, autores e também o público leitor.

De que se trata de uma situação complexa quase ninguém duvida e não raro as manchetes dos periódicos triunfam com os maus indicadores brasileiros. O caminho da resignação, sempre o menos escarpado, todavia parece sempre conduzir a um senso de conformidade reincidente. Ajuda menos ainda a combalida autoestima nacional a também reincidente comparação com os dados de leitura da vizinha Argentina. Ainda que a afirmação de que apenas Buenos Aires (ou, num arroubo platino, apenas a Calle Corrientes) pudesse ter mais livrarias do que o Brasil inteiro seja fantasiosa, dados da Market Research World, no assim denominado Índice de Cultura Mundial, informam que, apesar da veracidade comparativa, o país vizinho também não anda fazendo um retrato dos mais excepcionais.

O que se sabe definitivamente é que, de fato, a situação da leitura é grave e afeta o desempenho cognitivo e cultural de toda a sociedade e de muitos países. Uma vez que o possível amparo da resignação mostra-se incapaz de recolocar em movimento a dinâmica e complexa relação entre a cultura letrada e uma população que ainda deveria ser mais e melhor estimulada a relacionar-se com o livro e os bens culturais literários, o que se pode antever é muito trabalho coletivo pela frente e a necessidade de reflexões ponderadas tanto no que confere ao sistema educacional quanto ao literário.

O cada vez mais difícil de contestar é o fato de que o impasse que a crescente expansão tecnológica deveria colocar entre leitor e leitura vem na realidade esgarçando-se cada vez mais. Não se trata de imaginar que isoladamente e sem projetos consistentes o emprego dos recursos tecnológicos resolverá a situação. Conforme os mesmos dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o constatável é um decréscimo constante do tempo dedicado à leitura (24% entre a preferência total) em comparação ao incremento do uso individual da internet (47% entre a preferência total).

Nos ensaios e artigos que publicou na imprensa a respeito das questões da escrita e do livro reunidos no livro Papel-Máquina, de 2001, o filósofo franco-magrebino Jacques Derrida veio reforçar sua ideia visionária de 1969, em Gramatologia, quando afirmou que desde aquela época o leitor passava a exercer papel imperativo em relação aos meios e suportes de leitura. Derrida, apesar de ter sido a princípio mais um dos estudiosos a denunciar o “fim do livro”, teve a prudência de ponderar igualmente pela infinitude desse processo. Resta entender se a isso convém chamar de impasse ou paradoxo e aguardar por que outros estudiosos venham também refletir a respeito, afinal trata-se de tema de interesse permanente e universal.

De um modo muitas vezes reducionista, boa parte das análises a respeito da vereda tecnológica e da sobrevivência do livro e do texto literário têm, desde o início do novo século, refletido por vezes mais das apreensões individuais do que uma observação mais apurada do contexto cultural amplo senso. Se na história da civilização certa vez a leitura ocupou papel central na formação cultural e de identidade das nações, de fato é preciso admitir que a tecnologia expandiu boa parte dos limites e cerceamentos que havia até meados do séc. XX. Se já foi o veículo de informação por excelência, fonte de entretenimento e suporte privilegiado de comunicação dos bens culturais, hodiernamente a leitura parece-se mais ao substrato multitudinário de uma gama imensa de informações que o veículo de um determinado cânone literário.

A esse ponto, verificar a inundação de livros (e livros nem sempre são obras, como adverte Derrida) e outros formatos de informação é tarefa de facílima constatação. Se a literatura, de fato, vem convertendo-se em testemunhos autorais de um interesse ao mesmo tempo segmentado e restrito e se há como ainda hoje vivificar o interesse de novas gerações por um mundo distante ou por um passado remoto, livros como os de Manguel, usando aqui de metáfora, parecem-se a faróis avulsos de um mundo mais profundo, instigante e enriquecedor que a leitura criteriosa certamente ainda dá a desvendar às pessoas. Pois a prevalência do livro agora possivelmente esteja mais relacionada a uma necessária recuperação e valoração da leitura propriamente dita do que uma substituição de técnicas e formatos. A falta de tempo, justificativa reiterada pelos desinteressados contumazes na leitura, não é furto que se flagre ou perda que aconteça isoladamente, mas a perda (tanto para pessoas quanto para instituições) é lamentavelmente irreparável e o tempo, como se sabe, brevíssimo.

O e-book de areia

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Ao contrário da maioria dos grandes autores da ficção científica, minhas distopias têm curtíssimo alcance. Quase nunca sequer extrapolam as fronteiras do pensamento fantasioso. Não tenho imaginação suficiente ou conhecimento eletromecânico para engendrar parafernálias esdrúxulas ou conceber formas inomináveis de vida. Minhas distopias comumente são rasas e seu horizonte é breve. Na melhor das hipóteses, alguns anos. Na pior, alguns meses ou até mesmo semanas. Na verdade, mal posso imaginar o que possa acontecer amanhã na rua onde moro, que dirá na imensidão cósmica no próximo século ou milênio.

O certo é que amanhã deverá ser um dia mais ou menos como hoje. Até onde sei, não há previsão de nem um salto tecnológico em vista ou de descobertas científicas que se processem em 24 horas ou menos. Por isso, é com alguma segurança que se pode afirmar que o que hoje vigora no mundo real amanhã e na próxima semana continuará a vigorar. No caso específico do livro impresso em papel, há pelo menos 500 anos de garantia e certificação no produto, ao passo que, em relação à alternativa digital, nem mesmo os maiores especuladores futuristas podem imaginar ou prever sua durabilidade. Antecipando-se a eles, o mercado editorial livreiro – estimulado sobretudo pela disseminação massiva de dispositivos digitais portáteis – vem ensaiando alguns passos em direção ao que muitos dizem ser o futuro inadiável, inexorável, incontrolável, etc.

Para confundir ainda mais o cenário, um dos principais interessados no assunto, o semiólogo e escritor Umberto Eco, que publicou em 2000 junto ao cineasta Jean-Claude Carrière o sugestivo livro de entrevistas “Não contem com o fim do livro” veio, cerca de dez anos depois, desdizer-se publicamente em entrevista concedida à revista Época. Mesmo não tendo dito que agora se deveria contar, pelo contrário, com o fim do livro, ele relata ter cedido à leitura – e achou ótimo fazê-la – na tela do seu iPad. Mas alertou que esse seria apenas um tipo de leitura de distração, não de estudo. E que, para este último efeito, isso requeriria obrigatoriamente a possibilidade de rabiscar, negritar e grafar diretamente no papel. Bem, desde essa entrevista, é possível que Eco tenha mudado novamente de opinião. Talvez um novo livro venha por aí para explicar suas razões e preferências atuais. Nesse caso, partindo de sua própria concepção, um e-book seria o suficiente, porque este seria então apenas um segundo livro de distrações sobre o assunto.

Outro argumento de que os futurólogos costumam valer-se diz respeito aos números de vendas e estatísticas comerciais, como se fossem indicadores de outras coisas que não números de vendas e estatísticas comerciais. É claro que os aumentos irrisórios de vendas verificados nas principais feiras de livros mundo afora não desfazem dos benefícios inerentes ao livro digital: a portabilidade, a economia de espaço, a imunidade ao cupim e outros insetos, além da presumivelmente mais interessante entre todas: a velocidade de remessa e entrega. Nada que um bom blecaute nesses tempos de crise energética ou um escorregão acidental na tecla DEL, por exemplo, não possa sobrepujar com folgas. Assim, as crescentes iniciativas comerciais de publicação de livros digitais vem crescendo às vezes em ritmo acelerado e às vezes em passos de tartaruga. E isso acontece sobretudo porque as editoras têm grandes cautelas em relação ao descontrole de proliferação de cópias não autorizadas, a bem conhecida pirataria.

Em tempos tão remotos quanto o da invenção dos tipos móveis, sabe-se que mesmo as bíblias de Gutenberg teriam sido objeto de cópias, digamos assim, alternativas. Antes de que a imprensa e a tipografia pudessem multiplicar em ritmo industrial as primeiras brochuras, outro tipo de instituição já havia sido responsabilizada pelo crime de compartilhar o conhecimento escrito. Sim, não foi sem a desconfiança das sociedades científicas, universidades e autores que as primeiras bibliotecas públicas do ocidente, num modus operandi ainda vigente, passaram a cumprir, entre outros, o objetivo de multiplicar o número de olhos que um mesmo livro poderia receber. No livro de Matthew Battles, A Conturbada História das Bibliotecas, é possível conhecer muitas e inimagináveis histórias de desastres, crimes e atrocidades que ocorreram nestes ambientes recheados de ácaro, pó e silêncio – este que dizem ser o companheiro inseparável da boa leitura.

Forma preferencial para deter através dos meios tecnológicos a pirataria editorial, o uso crescente dos digital rights managements, ou simplesmente DRM (atributos de controle que acompanham e estabelecem limites e permissões de uso para arquivos digitais), tem se prestado também para o estabelecimento de situações insólitas. Isto é devido principalmente às possibilidade de conexão dos dispositivos digitais e ao controle on-line do conteúdo transferido. Se até aqui a obtenção de um livro competia obrigatoriamente em sua propriedade, essa relação já não é mais assegurada. O que um consumidor obtém atualmente de um fornecedor de e-books é uma concessão de uso a qual pode ser alterada unilateralmente. Foi o que aconteceu com a maior loja de e-books do mundo, a Amazon.com, acusada de simplesmente excluir das coleções de consumidores títulos de seus próprios dispositivos, através de operações remotas. Em alguns dos casos noticiados, isso teria acontecido para possíveis correções editoriais ou problemas contratuais com os autores ocorridos após a comercialização. Seja como for, é uma possibilidade impensável para livros impressos, mesmo que recalls de brochuras já tenham acontecido.

Desde que a discussão predominante em torno do tema tem sido o prazo de tempo para a extinção final do suporte impresso, as discussões não avançam muito além de clarividências sistematicamente ignoradas pela realidade. Se o livro impresso deveria ter acabado no começo de 2013 ou irá agonizar até o fim da década presente para dar lugar a outro suporte, essa é uma informação das mais irrelevantes. Talvez interessasse mais perceber o comportamento das editoras comerciais em relação ao e-book, repleto de implicações e restrições, chegando muitas vezes a inviabilizar operações elementares dos textos digitais. A possibilidade de transcrever um texto para outro, o bem conhecido “copiar e colar”, por exemplo, para algumas editoras é uma prerrogativa impensável a entregar ao leitor e consumidor, suposto – até prova em contrário – pirata e contraventor em potencial.

Além das questões das restrições de transferência há impasses importantes que se travam principalmente entre bibliotecas e editoras. É claro que, por tratar-se de produtos comerciais, as editoras não podem ver-se obrigadas a migrar seu negócio para a caridade de uma hora para a outra. Porém, é evidente que seus processos produtivos e comerciais são reduzidos com a comercialização de livros digitais. Continua um mistério compreender-se porque isso via de regra representa para o consumidor final não mais que uma economia de 10% no preço final.

Para muitos autores, críticos e opiniáticos de toda a espécie o antípoda potencial do livro impresso, e talvez de qualquer livro, seria a própria internet. Não foi senão o prolífico Philip Roth que anunciou em entrevista que o livro em papel teria seus dias contados, assim como o romance como o conhecemos hoje e toda a cultura literária. Tudo de uma vez só, assim, como num bofetão. Interessante que, na mesma entrevista, ele declara também que não consegue imaginar ele próprio realizando uma leitura em um iPad, por exemplo. Eu pessoalmente considero esta uma entrevista profundamente melancólica. Não é o primeiro escritor que, diante da idade avançada, declara que tudo vai acabar, como se eles mesmos não investissem tempo e dedicação a permanecer além dos limites naturais da vida. Certo mesmo é que, enquanto o fim do livro impresso precisar ser anunciado em um novo livro impresso, esse fim não chegará nunca.

O que talvez custe às pessoas admitir não é propriamente a existência de uma crise editorial, porque ela não existe, basta ver a inumerável lista de títulos publicadas anualmente (sem contar as iniciativas de autopublicação, edições independentes, blogs, etc.), mas uma crise da capacidade de leitura em si mesma. Porque se trata de um investimento de tempo que cada vez mais precisa ser rapidamente consumido e transformado em produtividade visível, é possível que os hábitos de leitura, principalmente a realizada em meios digitais, tornem os livros impressos objetos trabalhosos demais e a leitura um empreendimento pessoal do qual não se pode extrair resultados imediatos.

Seja como for, não é possível argumentar contra as evidências matemáticas e elas informam que no mundo inteiro o número de vendas dos e-books finalmente superou o status de tendência e ganhou a preferência dos consumidores. Nos Estados Unidos, o ano de 2014 será marcado como o primeiro em que as vendas de e-books superaram as de livros impressos. No Brasil, a realidade comercial é ainda incipiente, mas ganha força com a chegada da Amazon em solo nacional, com o início de vendas de títulos no iTunes e com uma adesão crescente de editoras ao uso das mídias digitais.

Escapando dos dados quantitativos para os qualitativos, é imprevisível imaginar a forma pela qual as editoras irão investir daqui para diante, e suas prioridades. Com uma quantidade imensa de títulos esgotados e com restrições decorrentes de uma lei de direitos autorais defasada em muitos aspectos (especialmente porque elaborada em uma época em que o termo digital não se aplicava ao conteúdo editorial), o e-book tanto pode representar a recuperação dos catálogos de uma indústria que sobrevive de grandes puxadores de vendas quanto, por outro lado, o privilégio a livros que possam interessar às novíssimas gerações, millennials ou o que vier depois. Tal perspectiva jogaria dentro de um fosso toda a bibliografia não lucrativa e, caso se mantenham as atuais restrições ao comportamento das bibliotecas de acesso e empréstimo, por exemplo, isso poderia representar uma intensa dificuldade em obter-se informações, por mais absurdo que isso possa parecer, dadas as “facilidades” tecnológicas.

Internacionalmente, entretanto, parece haver um cenário promissor. Bibliotecas universitárias e projetos culturais específicos (como os de bibliotecas particulares de autores literários, por exemplo) têm realizado trabalhos colossais de digitalização e disponibilização de arquivos pessoais, bibliotecas particulares, etc. Embora os projetos capitaneados pela UNESCO de uma nova biblioteca universal não avancem conforme seu desejo, muitos países procuram desenvolver iniciativas locais de digitalização, de maior ou menor porte. Nenhum, certamente, pretende tanto quanto a Noruega, que deseja disponibilizar sem custo algum, a todas as pessoas que puderem ter um endereço IP norueguês, o acesso integral a toda a produção bibliográfica local, através da digitalização de todo acervo depositado obrigatoriamente na Biblioteca Nacional.

Outra disputa sem horizonte de resolução no tocante ao e-book é a que envolve as pessoas e suas preferências, manias e as possibilidades reais de um e outro meio. Enquanto há quem desde a primeira hora tenha passado a investir em bibliotecas digitais, há muitas outras pessoas reticentes, quando não totalmente refratárias ao formato digital. De um amigo radicalmente partidário do livro impresso, colhi esta comparação, nitidamente exagerada, porém (talvez) pertinente: “O e-book está para o livro como os compostos vitamínicos estão para um prato de comida.” É claro que, para a leitura propriamente dita, o suporte em que ela se realiza importa muito pouco. Se um leitor é hiperativo o bastante para não resistir a concluir um parágrafo e ir conferir o status das redes sociais ou o seu e-mail, é de imaginar que o processo de leitura se tornará fastidioso diante ao intenso desfile de informações imperdíveis que pululam rede sociais e internet adentro. Mas esta dificuldade pode atingir igualmente a leitura dos livros impressos, claro que pode, então acredito que a frase trata-se mesmo de uma impertinência. Cabível, mas ainda assim impertinência.

A mim incomoda bem mais um diálogo presente em O Livro de Areia, de Jorge Luis Borges, no qual o vendedor do fantástico Holy Writ mostra a Borges as páginas do que seria o mais raro e precioso livro do mundo, mas ao mesmo tempo o adverte: “Olhe bem para estas páginas. É a última vez que você está vendo isso.” É claro que este é o terror que acompanha toda as pessoas que amam os livros guardam mais intimamente, o de que em um belo dia seus belos livros simplesmente evaporem. Assim, do nada e para sempre. Longe de mim desejar que uma coisa dessas aconteça a quem quer que seja, mas uma coisa eu posso garantir com tranquilidade: a probabilidade de uma catástrofe digital continua bem maior do que uma como aquela que ocorreu, por exemplo, no incêndio da Biblioteca de Alexandria.

Do bug do milênio ao epub, passando pelas microfichas, disquete, CDs, discos rígidos e DVDs, dos quais sabe-se lá a durabilidade e a segurança que têm, os livros ainda são um produto de tecnologia muito mais bem acabado, pelo menos na minha opinião, que qualquer gadget disponível para o efeito pretendido. Eu o comparo à colher e à roda, por exemplo, que têm feito mais pela humanidade do que a eletrônica e seus upgrades intermináveis, mesmo que isso apenas seja comprovável numa margem de centenas de anos. E com a vantagem única e incomparável de perpetuar a tradição da dedicatória e sessões de autógrafos. Alguém, por acaso, está disposto a por tudo isso a perder?