Delicado é por agora um dos adjetivos preferidos pelas pessoas para descrever algo que as agrada. Normalmente se dedica o termo àquilo que nos parece brando, singelo, sutil.. O que é especial e notável pela beleza. Por outro lado, o termo também se aplica quando se quer dizer que o referente é difícil, frágil, requer cuidado. Quando a situação está delicada o que se quer dizer é que a situação é problemática. Um termo com muitos sentidos e que depende do que vem dele associado para se entender do que se trata.
Tenho lido por aqui a autobiografia de Vashti Bunyan e vou ficando cada vez mais impressionado pelo que leio e encantado com a simplicidade da pessoa e também da sua clareza de espírito.. Como pode o seu talento incrível ter sido tão menosprezado em sua época? Como pôde a crítica musical dos anos 60/70 ter sido tão implacável com uma menina de vinte e poucos anos a ponto de levá-la a concluir que a música não era para ela e que, portanto, o melhor seria desistir da carreira?
Foi o que aconteceu com Vashti. Lá pelas tantas, ela entendeu que seus sonhos e ambições eram despropósitos e exagerados e não iriam acontecer. E apesar da amargura terrível da desistência, foi o que ela fez e no inicio da década de 70 foi viver sua vida. Just another life to live, como diz o título da sua biografia.
Por diletantismo, tenho lido ao longo dos anos a respeito da vida de muitos cantores folk e roqueiros. Alguns têm livros em português, outros pego no Kindle. Comecei há tempos com a biografia de Bob Dylan, Johny Cash, Neil Young, Johni Mitchell, um livro da irmã de Janis em que ela destila um veneno impressionante. Os de Dylan e Neil Young me soaram tão artificiais que me desfiz deles. O de Johny Cash, por outro lado, guardo fora dos livros de música. Nunca curti muito o estilo vocal dele, mas o livro é realmente especial. Agora recomecei com Karen Dalton (outra vida duríssima), Nick Drake e Vashti. Nada disso tem em português.
A verdade é que o mundo artístico sempre teve esses fenômenos: artistas mirins que surgem como cometas e se desviam completamente, muitas desistências não reportadas ou feitas em silêncio e alguns poucos que têm esses resgates como teve a obra de Vashti graças a redescoberta por artistas muito mais jovens e ouvidos apurados, como o do pianista e compositor Max Richter, produtor de seus discos após o intervalo de 35 anos.
Essa redescoberta aconteceu com ela e também com outro fenômeno semelhante, Linda Perhacs, que, diante ao menosprezo geral, botou a viola no saco e foi viver sua vida de cirurgiã-dentista, voltando a gravar e a fazer shows quase septuagenária. Hoje é um clássico cultuado.
Se existe uma música que pode realmente ser chamada delicada por aí é a dela e se o seu nome não estiver na lista, desconfie. Se existem mesmo pessoas que nasceram fora de sua época, ela também é uma dessas pessoas. Nesse tempo em que a urgência de reconhecimento comanda a vida dos pretendentes ao estrelato, histórias como a de sua vida são interessantíssimas para redimensionar um pouco a gana, a pressa e o chamado à exposição da era das redes.