Compaixão, de Anne Sexton

Ontem pela tarde, passando na livraria em busca de um livro de um amigo, me decidi a levar também o lançamento ‘Compaixão’, da poeta norte-americana Anne Sexton, que a editora mineira Relicário publicou no fim do ano passado por aqui, numa tradução da também poeta Bruna Beber.

Eu já havia lido algumas resenhas na Folha de São Paulo e no Jornal Opção, inclusive algumas objeções às traduções, mas me detive em primeiro no prefácio preparado pela filha de Sexton, Linda Gray. Depois, fiquei pensando se seria realmente possível comentar o livro sem mencionar o suicídio de Sexton.

Minha leitura é muito preliminar, mas não me parece que o seu suicídio explique a sua poesia e nem vice-versa. Há uns anos, publicou-se no Brasil uma biografia de Sexton e eu lembro que dei uma olhada numa livraria, mas decidi não comprar nem me aprofundar nos seus detalhes biográficos. Tudo o que se possa dizer da biografia de um poeta parece sintetizado e amalgamado em algumas key-words reiterativas: alcoolista, deprimida, repetidamente internada, suicidada.

Eu até acredito que a recente discussão publicada pelo editor de literatura da Folha de São Paulo, Walter Porto, erra o alvo ao mencionar os poetas e o suicídio. Na verdade, o debate iatrogênico deveria ser colocado em relação a saúde mental, isto é, da possibilidade do indivíduo ser um escritor sem padecer de um caráter psicopatológico.

Pessoalmente, eu não vejo porque não poderia uma pessoa livre de transtornos legar à humanidade uma obra relevante. Da mesma forma, não vejo porque uma pessoa em sofrimento mental também não poderia. Na verdade, essa relação é uma relação forçada que é feita apenas em face de um desfecho trágico. Não agrega nada à obra de ninguém nem deveria ser considerada a chave por excelência de sua interpretação. Acontece que as pessoas procuram encontrar densidade psíquica na escrita alheia e uma pessoa muito tranquila da sua vida, por que mesmo ela interromperia o fluxo do seu legítimo hedonismo para problematizar e metaforizar suas impressões, sentimentos, etc?

Eu não sei bem. Lembro que na época em que foi publicada a obra completa de Orides Fontela pela Hedra, acompanhada de um volume destinado a uma investigação biográfica chamada ‘O enigma Orides’, fiquei incomodado com o tanto de dificuldade e desgraça que o jornalismo cultural lembrou de atrelar à publicação. O desgraçamento biográfico como condição de reconhecimento literário, em qualquer caso e nacionalidade, isso sim me parece psicopatológico. Mas na crítica a tautologia é quase inescapável e parece ser ao fim e ao cabo um artifício argumentativo apresentável e desejável, na medida em que o tempo passa, poetas são publicados, e sua exibição teratológica continua igual.

* * *

Os poemas de Sexton, para não parecer que incorro no que condeno, são volúveis ao extremo. Nela, diferente de Plath que se externaliza mais, a poesia não é exatamente uma confissão de pessoa a pessoa. Não há um espaço muito íntimo nessa leitura, poucas meias palavras e subentendidos. Bem mais um discurso muito organizado, e que raras vezes remete a um presumível desequilíbrio expressivo em função da atribulada vida mental da autora. Cansativo, um pouco, como qualquer poesia muito auto centrada, mas sem dúvida um fluxo avassalador que pretende levar (e me levou) o leitor de enxurrada. Até decidi descansar um pouco e voltar a ler noutro momento, para não homogeneizar mentalmente a sua poesia e aproveitá-la melhor.

Deixe um comentário