Um pesadelo

Nessa noite acordei de um pesadelo estranho. Acordei meio injuriado. No sonho, estava sentado junto a outros dois interlocutores e, conversando comodamente sentados, eles divergiam em tudo, sem nunca limitarem-se a simplesmente deixar a conversa morrer. Pelo contrário, eles tranquilamente argumentavam, mencionavam exemplos, ponderavam como se aquela conversa tivesse alguma finalidade. E não me deixavam apartá-los, mudar de assunto, desviar o foco. O único que tornava aquilo tolerável (e ainda mais estranho) é que não havia neles qualquer indício de alteração. Não iriam matar-se, sequer um enfrentamento. Havia uma civilidade torturante na conversa a que me submetiam que me parecia ser algo previamente combinado. Como se nada no mundo fosse mais importante nem dependesse daquilo. O seu ar desinteressado e falaciosamente circunspecto dava a entender que viveram ambos suas vidas para aquilo. Em vão eu tentava levantar-me simplesmente e partir, mas o ambiente fechado, com cortinas pesadas e estantes lotadas de livros não parecia ter portas. Eu pelo menos não as via. Acho que havíamos sido colocados ali, naquele cenário, para que eu fosse submetido àquela conversa invariável e cordata de pessoas que discordavam em tudo. E como não se dirigiam a mim a não ser em busca de um olhar de aprovação, lá pelas tantas eu comecei a fingir interesse em ambos, talvez assim o ânimo debatedor arrefecesse e aquilo acabasse. Procurei meu relógio e estranhei que o encontrei no bolso do colete. Que roupas eram aquelas? Que lugar era aquele? Em que ano estávamos? Quem eram, afinal, aqueles dois homens? Notando meu incômodo, um deles, o que estava sentado na poltrona à minha direita, encostou a mão no meu joelho como se entendesse o meu desconforto e as perguntas que mentalmente eu me fazia. O outro homem, também olhando-me com familiaridade e um tanto de condescendência, ele que me explicou a situação. “Não se preocupe em ver as horas. Estamos aqui em nossa oitava encarnação. Muitas haverão depois dessa. Nós continuaremos aqui, sem acordo e sem brigarmos, até que o mundo acabe.”

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