Para o oeste

Até há uns dias eu não aceitava muito bem que um filme latino-americano fosse enquadrado na categoria “faroeste”. Tanto o termo quanto a estética me pareciam sempre atrelados essencialmente ao cinema hollywoodiano. Os filmes brasileiros, por outro lado, eu sempre pensei neles como “sertanejos”, no caso daqueles ambientados no sertão, e como “gauchescos”, no caso dos ambientados no sul. Isso desde “Paixão de Gaúcho”, filme de 1957 baseado na obra de José de Alencar, até o recente “Bacurau”.

Mas, ao menos geograficamente, o termo se presta perfeitamente bem. Tanto acima da península de Yucatán quanto abaixo, a ocupação e colonização territorial se deu a partir da costa leste, oriental. Daí que o faroeste (para-o-oeste) é mesmo a caracterização correta do movimento humano proveniente da Europa em toda a América.

Não é um gênero de filmes que me motive muito, mas nestes dias acabei vendo dois de seus mais recentes exemplares: um norte-americano e o outro chileno. O norte-americano, chamado “Horizon – an american saga” foi produzido, escrito, dirigido e estrelado pelo ator Kevin Costner, o mesmo de “Dança com lobos” e do seriado “Yellowstone”. “Los colonos”, a película chilena de Felipe Gálvez Haberle, recebeu em 2023 o Prêmio da Crítica Internacional em Cannes.

Assisti a ambos sem ter lido nada a seu respeito e só o que vi de comum neles foi a exuberância fotográfica das respectivas locações no deserto do Arizona, no caso dos EUA, e na Terra do Fogo no caso do filme chileno. A presença colonial e suas características, embora constando em ambos, são completamente dissonantes. Parecem não tratar do mesmo assunto, embora seja exatamente o mesmo. Nos roteiros, a presença britânica, os povos indígenas e o impacto violento desse encontro várias vezes tinge a tela de vermelho e, outra coincidência até certo ponto previsível, os dois filmes tem posters alternativos nessa cor.

Mas as coincidências param por aí. “Los colonos” narra a conquista final do território mais ao sul do Chile, muito após o final da Guerra de Arauco, conflito extrusivo que durou 300 anos. No filme, é narrada a expansão chilena nos territórios ao sul da cordilheira no começo do séc. XX, muito após a “paz” da independência, de 1818. No sul da Argentina e no Chile, os mapuches ainda hoje disputam cada centímetro de suas reservas. Porém, no filme, que é o que importa aqui, a chegada lá se dá de forma muito violenta e toda a tensão concentrando-se num personagem mestiço que a princípio integra a campanha de conquista para um hacendado que vive muito longe dali.

Já no filme de Costner, um projeto destinado a ser um épico de quatro longas-metragens, a ambição autoral está mais centrada em enobrecer a conquista do Oeste nas personagens que chegaram por último ao lugar onde se passa o filme, um vilarejo chamado Horizon. Em relação aos indígenas, Costner promete que no último episódio eles terão mais espaço. Por enquanto, desferiu em entrevista que não “é a pessoa para vingá-los ou para consertar as injustiças” e que tenta escrever personagens realistas. Na sua visão de realidade histórica, em uma hora de filme os indígenas cometem quatro ataques contra os colonos e não são vítimas de nem uma retaliação ao menos. O diretor, que disse em entrevista recente “fazer filmes para homens”, parece desejar vincular-se aos grandes clássicos de John Ford e Sergio Leone, mas parece que esqueceu-se de combinar com o público. Com uma arrecadação aquém da esperada, a segunda parte do filme partiu diretamente para as telas do streaming.

É difícil evitar um comparatismo mais extremo em relação aos filmes, porque seus objetivos argumentativos são muito distintos. Afora as tomadas externas prolongadas, nem esteticamente são comparáveis, pois claramente o filme chileno se alinha com o que se convencionou chamar por “faroeste revisionista”, isto é, é um filme que se desloca do padrão convencional ao qual o norte-americano, por sua vez, está mais que afixado. O desejo de Costner é mesmo realizar um filme no qual os indígenas representam uma ameaça ao avanço colonial, e seus mitos de “desbravamento”, etc. Em muitos sentidos, “Horizon” é mais conservador até mesmo que “Dança com lobos”. E estranho (ou nem tanto assim) que venha um ano após o sucesso de “Assassinos da lua das flores”, de Martin Scorsese, com uma narrativa para lá de severa quanto aos povos originários.

Seja como for, Costner é um sujeito que está pouco ligando para correção política, isso ele mesmo faz questão de confirmar sempre que possível. Também está pouco ligando para correção histórica, o que tratando-se da representação dos povos indígenas infelizmente não é novidade. A falta de imaginação histórica e a má vontade contra uma população vítima de limpeza étnica está ao alcance de qualquer um, não há mesmo que se queixar. Agora, que ele se queixe que o público esteja pouco ligando para o seu filme é de lascar. Enquanto isso, “Los colonos” vai fazendo, por duro que seja, uma bela carreira com o seu realismo. Em ambos os casos, é merecido — mas a cada um o seu cada qual.

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