Há uns dias assisti a um filme que mostrava os últimos dias de vida do chefe indígena sioux Touro Sentado. Um belo filme baseado na história real de uma pintora e retratista norte-americana, Caroline Weldon, que arriscou a vida para retratar o legendário sioux. O filme se chama “Woman walks ahead” e não sei se já se encontra nos meios habituais, Netflix, etc.. Eu o consegui num torrent.
Além do idioma cheio de sonoridades e estalos bucais dos indígenas, fabuloso por si só, e do morticínio final da tribo liderada por Touro Sentado, terrível por si só, o filme tem alguns momentos muito bonitos sem resvalar inteiramente à pieguice, o que é meio raro tratando-se de filmes que retratam povos indígenas.
Uma cena em especial, de um diálogo entre Sitting Bull e Caroline, dão conta de uma imagem invisivelmente poética daquele momento histórico (1890). Na tomada, ambos cavalgam lentamente através da pradaria. O cacique sabe que não pode mais fugir ao seu destino e de qualquer modo irá morrer lutando contra o exército norte-americano que deseja confinar a nação dakota em regiões inóspitas e impróprias ao cultivo. A essa altura, a maioria das tribos já abandonara o modo de viver dos ancestrais e começava a conformar-se à agricultura e aos “negócios” com o homem branco. Inclusive o próprio Touro, que já havia deixado para trás sua liderança, modo de vida e a sua impressionante indumentária original. Há dessa mesma época inclusive retratos de Touro usando traje ocidental e chapéu coco. Mas, mesmo adaptando-se já às novas condições, Touro e outros guerreiros e xamãs continuavam a buscar em eventos místicos a ideia de liberação transcendental da situação em que viviam.
Por outro lado, ele sabia muito bem que lutar seria morrer, mas também que não poderia mais recusar o confronto. A retratista, tendo chegado ali naquele momento crucial onde se “celebrava” nova demarcação e indígenas reviviam momentos de violência para com seus velhos e crianças famintas, assiste aquele momento sem volta na história daquele sujeito impressionante que tantas baixas havia causado ao exército norte-americano, entre eles o também legendário General Custer.
Mas, naquele caminho silencioso em que ela buscava dissuadi-lo do confronto pelo qual seria eternizado (quer dizer, outro massacre), ele lhe explica o significado de uma palavra lakota: “cantognake”. No filme, com estas palavras:
“Para achar nosso caminho
na pradaria,
às vezes paramos…
E olhamos… Recordamos.
Com as pessoas também.
Às vezes paramos
e olhamos e recordamos.
Isso se chama ‘cantognake’.
Colocar e manter
no nosso coração.
Este momento.”
Na tomada anterior, numa assembleia promovida pelo exército a fim de explicar o que seria feito na nova demarcação, Touro havia surgido na sua veste magnífica e com seu cocar de grande chefe e uma fala muito impactante, uma declaração de guerra, sobre os sacrifícios do seu povo, os nomes dos guerreiros e chefes abatidos em confrontos e daquela forma mostra-se finalmente pronto para o que tiver de ser, justamente o que pretendiam os militares federais que também desejavam vingar-se de perdidas batalhas anteriores.
É claro que Touro Sentado entrou para a história e é lembrado até hoje pelos seus feitos militares, mas achei aquela outra cena bem mais tocante, até porque expressa verbalmente e com um significado tão poderoso. A pessoa perceber o momento presente e sua relevância é cada vez mais incomum, diante da efusão de eventos e fatos sem fim. Não estar na vida em modo piloto automático requer o sacrifício de muitas coisas. Essa é, para mim, a verdadeira percepção do épico. O resto é a mais pura neurose: viver, guerrear, morrer.