O risco de passar rapidamente os olhos num livro como SUMI-Ê, da Nydia Bonetti, é o de perder a atenção fugaz necessária a sua leitura. É o de querer se concentrar demais e não conseguir fixar a coleção de pedras, troncos, flores, luzes e sombras desse pequeno jardim em formato de livro.
Eu digo um “jardim” não porque se materialize jardim, mas porque é clara a noção de que se está passando por ele, atravessando-o como se num desvão de uma avenida houvesse uma secreta passagem até outra dimensão mais lenta do tempo. É o efeito opiáceo que o livro me oferece: ser ele mesmo estranho a mim e, por isso mesmo, meu também.
É de entender melhor: sei que parece estranha a sensação porque normalmente se acredita aproveitar uma leitura quando se a retém e supostamente aprende ou guarda alguma coisa, acrescenta. É um hábito cumulativo que afeta a maioria de nós, pelo menos os mais embebidos na tradição cultural ocidental. Atenção fugaz parece algo paradoxal, mas é do que se trata mesmo.
Sei que por aí algumas pessoas definem a poesia japonesa ou de inspiração oriental como “minimal”, principalmente os tankas e haikus. “Minimal” também seria a tradição ocidental dos epigramas, embora menos líricos que os parentes orientais. Apesar de conhecer pouco, acho muito bonito.
Ontem finalmente recebi dos correios um livro que comprei no começo de fevereiro, dessa poeta que sigo nas redes sociais desde que a conheci acho que no último ano, ou o mesmo ano continuado agora: 2020. Apesar de não ser uma poeta que eu leia sistematicamente, queria ter pelo menos um de seus livros. Procurei o mais recente, De barro e de pedra (Urutau, 2017) e estava esgotado na editora, não consegui. Fui mais atrás e encontrei para mim um exemplar deste SUMI-Ê (Patuá, 2013).
Pelo livro, fiquei sabendo que o título vem das artes caligráficas japonesas, numa arte instantânea que não admite retoques. Nenhuma explicação seria mais aplicável: não há mesmo o que retocar nesse simpósio de naturezas que ela pincela como se fossem imediatamente desmanchar, mas que, por isso mesmo, fica justamente o tempo que deve ficar – nem mais e nem menos.
“há um lugar onde não estive
e uma canção que não cantei
alguém fez isso por mim”
“o meu colar de conchas secas
é tudo que sei
dos mergulhos que não dei”
SUMI-Ê
de Nydia Bonetti, (Patuá, 2013).