What the hell is a flowery boundary tree?
Cormac McCarthy
Ainda estou indo, na verdade, ele disse sem olhar para trás, apenas pressentindo que eu o seguia sem nunca alcançá-lo, sem nunca emparelhar-me em sua marcha ao lado do acostamento derruído da rodovia que, pelo seu próprio propósito, nos levava de volta à fronteira, cada qual em seu tempo.
Como se num feriado, em dias em que as horas parecem durar ao menos o dobro ou triplo do que custam realmente a passar, notei que não passava nunca um carro ou caminhão pela estrada dividida ao meio por tracejados apagadiços. E caminhávamos e falávamos cada vez menos desde que eu havia dormido e acordado nesse lugar ao mesmo tempo estranho e familiar: o caminho a que regressávamos.
Quando eu disse que faríamos, pelo jeito, todo o trajeto a pé, ele não se incomodou e até virou um pouco em minha direção com o olhar irônico de quem perguntava se eu já estava cansado. Não, não era isso, em sonhos a gente pode caminhar a eternidade e não cansa, disse-lhe em voz alta. Foi a última vez que ouvi sua voz, em retorno: é disso que se trata.
Depois não falamos mais, o dia não acabou mais, o tempo não passou e nem um ser vivo encontramos ao avançarmos indefinidamente o caminho do sol poente. Pelo jeito aquele seria também um entardecer eterno, interminável. Mas era também o único modo de compreender aonde estava indo o homem alto, de largas passadas, que olhava a paisagem como se fossem coisas afilhadas a ele os postes e pedregulhos, sintomas da matéria sob os pés, disso que chamamos vida e que nos vai sumindo aos poucos, fatalidade das fatalidades.
Ao alcançarmos o topo de um aclive, uma coxilha, notei o que parecia ser o dedilhado de um violão. Ele não pareceu notar e seguiu caminhando sempre olhando em frente, sempre em frente. Havia algo de sinistro e dissonante naquele som, assim como a árvore de que provinha. Uma árvore de folhas vermelhas, como um coração cansado, que parecia querer me lembrar de alguma coisa.
O contraste agreste, inacessível, de um verde amarelado, o pastiçal sem fim e roído por animais que já não se viam, com o súbito vermelho, fez com que detivesse meus passos. Ele continuou os dele e achei que nem olharia para trás, para certificar-se de que o seguia, mas ele olhou e sorriu em minha direção, como se estivesse satisfeito de saber que eu estava vivo – para ele mesmo, isso não parecia fazer diferença. Não havia feito isso desde que nos encontráramos ali, naquele deambular. Entendi que estava feliz de que o seguira até aquele ponto, mas, de agora em diante, só ele seguiria ao seu destino, qual seja, a ausência de qualquer destino, e eu continuaria preso ao meu.
