A música é a mais cruel das artes. Não se pode enganar a música porque ela te desmente em dois compassos. Não adianta..
Na verdade, nas artes visuais e literárias se dá o mesmo. Apenas que a sensibilidade receptiva é menos exigente. Na música, a inabilidade é gritante e mesmo uma pessoa não instruída musicalmente percebe as falhas de execução e etc. Não existe, simplesmente, o estilo “mal tocado”.
A música nesse sentido é cruel, mas, por outro lado, a destreza técnica permite que a sensibilidade se acentue. E dessa forma composições ganham roupagens, interpretações ganham nuances, melhorias. Nesse aspecto, a literatura é mais cruel. O que está feito, está feito. Ninguém consertará uma obra escrita. Ninguém a reinterpretará e realçará o que ali não existe. É impossível.
Mas a música, se é cruel à primeira audição, é permissiva com que a melhorem.
É isso o que fazem muitos intérpretes e arranjadores. Mas não é por acaso, são músicos que estudam e praticam desde a tenra infância e, se têm algum dom, o aperfeiçoam com trabalho, e não pouco.
Dos artistas, respeito mais os músicos, ainda mais porque sua produção é desvanecente, se evapora no ar, não fica nada.
Dos instrumentos musicais, o violão é o mais cruel. Há que montar o som. O instrumento não está te esperando, está desafiando. A lida com o violão é uma tauromaquia e a vida do guitarrista é ser derrubado e atravessado – eis a crueldade – pelo que ele mesmo consegue extrair do instrumento.
Tenho muitos violonistas que acompanho na internet, do mundo afora. Concertistas, intérpretes impecáveis. Gente que estuda o instrumento desde a tenra idade: 6, 7 anos.
Edith Pageaud é um dessas instrumentistas. Toca violão desde os 6 anos e com 7 já havia sido premiada em recitais nacionais. Dom? Eu acredito que sim, mas dom trabalhado, burilado. O dom pelo dom não necessariamente gera boa arte. É preciso algo mais, enfim, é óbvio.
Nessa interpretação de Piazzolla, Edith altera a execução com timbres e outras técnicas que ela executa à perfeição. No entanto, pelo menos eu ouço assim, o equilíbrio que ela obtém é total, o efeito estético é homogêneo, tempos e contratempos estão tão internalizados que não há forma de se desarmonizarem.
Então, o que acontece é que a música ganha, aumenta. Podemos escutá-la com uma particularidade.
Nas outras artes – eu pouco sei de artes visuais – me parece que isso é impossível. Na literatura, todos os erros e fiascos são em bronze, como dizia o Mario Quintana.
Não sei.
A música é a mais cruel das artes, mas a literatura é mais cruel que a música de muitas mais maneiras.