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Nude ants

É maio de 1979. Você dá por si e bem que poderia estar em Nova York, no Village Vanguard, escutando a gravação de Nude Ants (mas que título é esse, “formigas nuas”?). Tudo ali é muito curioso. Mas, nesta noite, tudo deve ser mesmo muito curioso, portanto acomode-se. Tente não estranhar nada. E, afinal, você sabe que não entende nada mesmo. E se tentar entender, adeus, já está perdendo, já está perdido. Não é meio estranho ouvir esse sujeito do sax improvisando, ele que nunca pareceu à vontade com isso, ele simplesmente aceitou todos os pontos de fuga solicitados pelo piano e que o contrabaixo não deixou sem costura e o baterista não permitiu desabar. E as coisas vão indo desde o começo de um modo impensado. Obstinados como formigas, eles comunicam-se apenas pelas ondas sonoras e olhares relampejantes. KJ está, como sempre, de olhos fechados na maior parte do tempo. JG, pelo contrário, está vertical como uma palmeira. PD sorri para todos (não sei a razão, mas contrabaixistas sempre sorriem para todos; parece que ele está dizendo-lhes algo como “podem viajar” aí que eu busco vocês) e JC, bem, você não deve tentar entender isso, JC pensa que está tocando piano nos cymbals – e o pior: você pensa que está entendendo perfeitamente. Nude Ants é de uma música doce demais para o jazz estridente do fusion. É estridente demais para o smooth vindouro. Era música demais para um neófito como eu, que o conheceu da forma certa, subfluindo tanto na delicadeza de Innocence, ouvindo a esmo os trinta minutos de Oasis, quanto na balbúrdia extasiante de New Dance. E as formigas, e nuas ainda por cima? Meu amigo, minha amiga, se depois disso você ainda consegue pensar em formigas, é claro que elas só poderiam estar mesmo nuas..

Compaixão, de Anne Sexton

Ontem pela tarde, passando na livraria em busca de um livro de um amigo, me decidi a levar também o lançamento ‘Compaixão’, da poeta norte-americana Anne Sexton, que a editora mineira Relicário publicou no fim do ano passado por aqui, numa tradução da também poeta Bruna Beber.

Eu já havia lido algumas resenhas na Folha de São Paulo e no Jornal Opção, inclusive algumas objeções às traduções, mas me detive em primeiro no prefácio preparado pela filha de Sexton, Linda Gray. Depois, fiquei pensando se seria realmente possível comentar o livro sem mencionar o suicídio de Sexton.

Minha leitura é muito preliminar, mas não me parece que o seu suicídio explique a sua poesia e nem vice-versa. Há uns anos, publicou-se no Brasil uma biografia de Sexton e eu lembro que dei uma olhada numa livraria, mas decidi não comprar nem me aprofundar nos seus detalhes biográficos. Tudo o que se possa dizer da biografia de um poeta parece sintetizado e amalgamado em algumas key-words reiterativas: alcoolista, deprimida, repetidamente internada, suicidada.

Eu até acredito que a recente discussão publicada pelo editor de literatura da Folha de São Paulo, Walter Porto, erra o alvo ao mencionar os poetas e o suicídio. Na verdade, o debate iatrogênico deveria ser colocado em relação a saúde mental, isto é, da possibilidade do indivíduo ser um escritor sem padecer de um caráter psicopatológico.

Pessoalmente, eu não vejo porque não poderia uma pessoa livre de transtornos legar à humanidade uma obra relevante. Da mesma forma, não vejo porque uma pessoa em sofrimento mental também não poderia. Na verdade, essa relação é uma relação forçada que é feita apenas em face de um desfecho trágico. Não agrega nada à obra de ninguém nem deveria ser considerada a chave por excelência de sua interpretação. Acontece que as pessoas procuram encontrar densidade psíquica na escrita alheia e uma pessoa muito tranquila da sua vida, por que mesmo ela interromperia o fluxo do seu legítimo hedonismo para problematizar e metaforizar suas impressões, sentimentos, etc?

Eu não sei bem. Lembro que na época em que foi publicada a obra completa de Orides Fontela pela Hedra, acompanhada de um volume destinado a uma investigação biográfica chamada ‘O enigma Orides’, fiquei incomodado com o tanto de dificuldade e desgraça que o jornalismo cultural lembrou de atrelar à publicação. O desgraçamento biográfico como condição de reconhecimento literário, em qualquer caso e nacionalidade, isso sim me parece psicopatológico. Mas na crítica a tautologia é quase inescapável e parece ser ao fim e ao cabo um artifício argumentativo apresentável e desejável, na medida em que o tempo passa, poetas são publicados, e sua exibição teratológica continua igual.

* * *

Os poemas de Sexton, para não parecer que incorro no que condeno, são volúveis ao extremo. Nela, diferente de Plath que se externaliza mais, a poesia não é exatamente uma confissão de pessoa a pessoa. Não há um espaço muito íntimo nessa leitura, poucas meias palavras e subentendidos. Bem mais um discurso muito organizado, e que raras vezes remete a um presumível desequilíbrio expressivo em função da atribulada vida mental da autora. Cansativo, um pouco, como qualquer poesia muito auto centrada, mas sem dúvida um fluxo avassalador que pretende levar (e me levou) o leitor de enxurrada. Até decidi descansar um pouco e voltar a ler noutro momento, para não homogeneizar mentalmente a sua poesia e aproveitá-la melhor.

Um pesadelo

Nessa noite acordei de um pesadelo estranho. Acordei meio injuriado. No sonho, estava sentado junto a outros dois interlocutores e, conversando comodamente sentados, eles divergiam em tudo, sem nunca limitarem-se a simplesmente deixar a conversa morrer. Pelo contrário, eles tranquilamente argumentavam, mencionavam exemplos, ponderavam como se aquela conversa tivesse alguma finalidade. E não me deixavam apartá-los, mudar de assunto, desviar o foco. O único que tornava aquilo tolerável (e ainda mais estranho) é que não havia neles qualquer indício de alteração. Não iriam matar-se, sequer um enfrentamento. Havia uma civilidade torturante na conversa a que me submetiam que me parecia ser algo previamente combinado. Como se nada no mundo fosse mais importante nem dependesse daquilo. O seu ar desinteressado e falaciosamente circunspecto dava a entender que viveram ambos suas vidas para aquilo. Em vão eu tentava levantar-me simplesmente e partir, mas o ambiente fechado, com cortinas pesadas e estantes lotadas de livros não parecia ter portas. Eu pelo menos não as via. Acho que havíamos sido colocados ali, naquele cenário, para que eu fosse submetido àquela conversa invariável e cordata de pessoas que discordavam em tudo. E como não se dirigiam a mim a não ser em busca de um olhar de aprovação, lá pelas tantas eu comecei a fingir interesse em ambos, talvez assim o ânimo debatedor arrefecesse e aquilo acabasse. Procurei meu relógio e estranhei que o encontrei no bolso do colete. Que roupas eram aquelas? Que lugar era aquele? Em que ano estávamos? Quem eram, afinal, aqueles dois homens? Notando meu incômodo, um deles, o que estava sentado na poltrona à minha direita, encostou a mão no meu joelho como se entendesse o meu desconforto e as perguntas que mentalmente eu me fazia. O outro homem, também olhando-me com familiaridade e um tanto de condescendência, ele que me explicou a situação. “Não se preocupe em ver as horas. Estamos aqui em nossa oitava encarnação. Muitas haverão depois dessa. Nós continuaremos aqui, sem acordo e sem brigarmos, até que o mundo acabe.”

Um disco faltoso

Para mim, que sou avesso às listas de melhores, chega a ser uma sordidez dizer que, na minha opinião, estes sejam alguns dos discos mais importantes da música brasileira.

Todos são de música instrumental e é por isso mesmo que para mim eles são dos mais importantes. Para mim, muitas vezes a música instrumental – por estranho que possa parecer – “fala” mais que a música cantada, com letra.

É que a exigência expressiva da música instrumental é essencialmente superior à canção letrada. Tendo de trazer significantes exclusivamente sonoros, livremente musicais, a ênfase na mensagem necessita ser muito mais amplificada. É nesse sentido que eu posso dizer que estes sejam, no meu modo de perceber, os mais importantes, porque comportam e veiculam a musicalidade no seu estado mais puro e incorruptível. E são ainda mais importantes porque são discos autorais. E porque, apesar de serem músicos que serviram ao trabalho de letristas talentosos e intérpretes excepcionais, sua música fala por si só e, ao mesmo tempo, compõem cada qual um universo muito particular. Além disso, são essencialmente brasileiros e trazem a influência popular transposta numa elaboração maior, mais refinada, e nem por isso afetada.

A minha sordidez reside em apontar que não temos no Rio Grande do Sul, até hoje, um disco nessas condições, um compositor nesse nível de composição e com recepção universal.

Pessoas me lembrarão de Yamandu, certo, Yamandu tem público onde for, mas o seu trabalho maior ainda é o de intérprete. Como compositor, dificilmente alguém consegue apontar de memória uma gravação ou tema inesquecível de sua autoria.

Tem também que o seu apogeu acontece justamente no declínio da cultura do disco. Se tivesse gravado nos anos 80 ou 90, época em que a qualidade das gravações brasileiras teve seu auge, talvez a situação fosse outra. Yamandu é um músico da era do single, na qual ninguém mais ouve um disco do início ao fim.

É claro que nada disso diminui a sua grandeza, mas, de fato, essa conjugação autoral ele ainda não conseguiu fazer na sua brilhante carreira de músico. Falta-lhe popularizar-se como compositor e dadas as condições de execução disponíveis, não se pode mais garantir essas coisas para ninguém.

Nesse ponto, eu diria que o músico com essas melhores condições no Rio Grande do Sul ainda chama-se Renato Borghetti. Mas Borghetti, decerto por uma ainda mais radical identificação e caracterização gauchesca, dificilmente um dia será apreciado na medida em que mereceria por suas características e não pelos preconceitos que lhe colam.

Sorte diferente têm estes outros três senhores. Ninguém lhes diz baiano demais, mineiro demais ou fluminense demais..

Fato é que, além do talento e de uma marca pessoal altamente elaborada, todos eles elevaram a musicalidade popular até chegar a um paradoxal alto nível de simplicidade formal. É impossível ouvi-los e não pensar imediatamente no Brasil. Se resta alguma dúvida, é suficiente usar os links abaixo.

Toninho Horta (Igreja do Pilar)

Dori Caymmi (Porto)

Egberto Gismonti (Lôro)

Renato Borghetti (Sétima do Pontal)

Da música para a poesia

Talvez se possa dizer que é uma forma de plágio, mas eu às vezes tento reproduzir por escrito, gramaticalmente, os compassos e harmonia de algumas músicas que me encantam. Em sua maioria, são músicas não cantadas, instrumentais, mas também acontece com músicas com letras e o resultado, isso que é o mais estranho, costuma ser completamente diferente dos versos que os letristas originais acomodaram às suas partituras.

O que eu faço é procurar notar os fraseados, os recomeços, os respiros, acentos, andamentos, ligaduras e etc para reproduzir aquela mesma condução musical e, sob ela, encontrar uma espécie de rítmica subjacente. Tudo isso sem manter qualquer relação semântica com o tema original, já que o que me importa, no caso, é a música em seu estado de pureza sonora.

A música, ao passo que pode induzir (e induz) ao sentimento, por outro lado se produz por uma linguagem estranha, indecifrável, e que antecede ao conteúdo verbal. Prova disso é que muitos esquemas rítmicos mais complexos são intraduzíveis nos sistemas métricos disponíveis para os artistas da palavra. E muitas composições são tão ou mais desconexas do que a maioria dos textos escritos, mesmo os mais experimentais.

Não sei quando eu comecei com isso, mas não foi uma decisão racional do estilo “agora vou fazer assim e assado”. Simplesmente procurei seguir a intuição musical alheia por uma linha paralela, sem buscar qualquer ponto de contato com a “matriz”. É uma atividade inversa a da que é mais costumeira, quando compositores tomam do trabalho de poetas e escritores para musicá-los, como no caso do excelente Literary Jukebox da compositora norte-americana Carla Kihlstedt com a musicalização de e. e. cummings e outros tantos poetas anglófonos.

Porque o meu gosto musical é eclético, meu critério é variado, mas segue menos minhas preferências do que minha percepção musical por si mesma. Desta forma, no meu programa de influência — um programa sem qualquer programa — apenas me deixo levar por melodias que vibram para mim de forma especial, de estilos tão diversos como a música folclórica da Noruega quanto o trabalho de sambistas nascidos, crescidos e falecidos no Brasil. E também música pop. E coisas mais experimentais de que eu gosto.

E erudito também, sim, mas aqui tem um detalhe importante: a música erudita costuma ser longa e, por isso, sua “interface” verbal acabaria por resultar muito maior e complexa do que um poema. E na prosa, à exceção da prosa poética, costuma-se eliminar vestígios líricos pareáveis – embora eu já tenha pensado em contos e relatos breves a partir de composições mais extensas.

Mas há músicas que pareceriam levar a um poema e, de repente, se alargam, aumentam, dizem mais do que o enunciado. Nestas, o que eu percebo é uma espécie de eco, uma reverberação narrativa tomada por repercussões culturais, históricas, etc.

* * *

Uma composição que me levou a essa sensação é a “Valsa sem nome”, composição de Baden Powell e letra de Vinicius de Moraes. Abstraia-se da letra de Vinicius e procure-se perceber que a música em si mesma é matriz inesgotável de verbalização. Mesmo as estrofes regulares de Vinicius e o ritmo sincopado da valsa expandem-se no violão solo de Baden.

Como isso pode ser? É que a vibração da música não se prende ao tema, não se prende a nada, ela é a essência na qual se pode alicerçar qualquer coisa, se ela permitir. Não é que Vinicius não tenha escolhido bem (quem escolheria melhor do que ele?), mas o que eu quero dizer é que enquanto a palavra enunciada é um fecho, a música é uma fonte.

A “Valsa sem nome” é um composição com intensa conotação sentimental, mas ela mesma, nos seus enlaces harmônicos, ultrapassa o lirismo convencional da letra de Vinicius. Ali cabe muito mais e também está dito pela melodia muito mais. Isso eu não diria de, por exemplo, “Samba em prelúdio”, para o meu gosto o casamento mais perfeito da dupla de compositores, na qual a letra teria sido composta alta noite, de uma só vez, após o próprio Vinicius ser convencido de que não se tratava a melodia de duas vozes um plágio de Chopin.

A “Valsa sem nome”, por outro lado, ela é um pelo menos um conto. Um conto sem palavras, inteiramente sonoro. Quando a melodia introduz o tema, para mim o que ela está fazendo é assentar um cenário completo. Nessa introdução, menciona seus elementos e fugas apenas insinuando o desfecho, sem revelá-lo. Só depois disso Baden desenvolve o arco imprevisto, aumentando progressivamente a carga dramática quando ele “estoura” as cordas do violão quase junto ao cavalete, como é sua característica. Depois, ele a repete do começo ao fim suavizando-a ao contrário. E o tema – amoroso, sentimental – conclui-se no drama suavizado do arpejo final.

* * *

Pode ser um delírio meu, de ouvir música dessa forma, mas, às vezes, é assim mesmo que eu escuto. Mas a verdade que também é assim que eu leio, distinguindo intuitivamente a escrita musical da estritamente racional, mais direta e monocórdica. Sem desmerecer o trabalho da segunda espécie de autores, que também admiro, eu prefiro os primeiros. E provavelmente a maioria das pessoas leia e escute música assim sem notar que o faça e se identifique, talvez, com os artistas que se expressam com sensibilidade semelhante à sua.

* * *

O disco em que Baden melhor gravou a “Valsa sem Nome”, “Rio das Valsas”, de 1988, eu diria que ele mesmo é como um livro, tal a riqueza de motivos e complexidade das composições. Em 1967, o violonista havia gravado “Poema on guitar”, mas este me parece mais arranjado e, curiosamente, menos poético. Mas parece que ele tinha essa ideia de diálogo poético-musical muito em mente também.

***

Se um dia eu fosse dar um curso sobre criação literária, meu programa principal seria ouvir muita música. Mas não de uma forma estruturalista, com o aparato sensorial-mecânico — com o aparato contemplativo, da alma.

O homem velho

𝘖𝘭𝘥 𝘮𝘢𝘯, 𝘭𝘰𝘰𝘬 𝘢𝘵 𝘮𝘺 𝘭𝘪𝘧𝘦
𝘐’𝘮 𝘢 𝘭𝘰𝘵 𝘭𝘪𝘬𝘦 𝘺𝘰𝘶 𝘸𝘦𝘳𝘦

𝘕𝘦𝘪𝘭 𝘠𝘰𝘶𝘯𝘨

Então é isso a velhice. Nada de sabedoria, apenas ideias abstrusas do que é feito o mundo e quase nada a respeito do que faz os outros.

Em seu desdém vertical, as árvores do caminho de casa sabem do que estamos dizendo porque são iguais a nós. Para elas, é indiferente a sonoridade das aves que a ocupam. Ou mesmo a plumagem. E a quantidade. Tudo se resume no quanto elas suportam — e parecem suportar muito.

Tu já não suportas tanto…

E mesmo que durem centenas de anos e nós apenas um átimo, as árvores velhas têm uma casca que nos lembra a pele que nos encasaca. E nomes que nos emprestam e caem tão bem: Oliveira, Pereira, Nogueira… Só nunca conheci ninguém de sobrenome Jacarandá. Seria insuperável.

De dentro de um armário, tomas uma peça de roupa que te caía bem, mas agora é provável que te deixe apenas ridículo. É o que pareces pensar enquanto os dedos examinam indecisos a frágil trama do tecido.

Havia ali também um chapéu que te protegeria a calva do sereno da madrugada, mas não está mais, pelo jeito. Tu também já não vais à madrugada.

Pela casa, as molduras das lembranças, perenizadas, parecem te observar. A ti e ao teu próximo esquete. Não caberias em muitas mais, mas, nas poucas ainda possíveis, gostarias de aparecer. E mesmo que naquele momento estejas pensando noutra coisa qualquer, são essas as coisas que fazem sentido.

Mas não é apenas no mundo mesquinho e doméstico que pensas. Este é um engano que cometem os que pensam em ti sem nada saber do que se passa em tua mente. Pensas em muito, ao inverso dos poucos que pensam em ti. Os arquipélagos que manterão, é óbvio, as ilhas inóspitas e selvagens a salvo dos teus pés. A astronomia que não te permite entender se há mesmo vida superveniente a esta, o que talvez redimisse nossa tamanha precariedade.

Já as rotinas menores, que se fazem dentro de casa, estas consumirão a maior parte do teu tempo e energia. E quando estiveres descansado, e a poltrona cessado seus rangidos, poderás pensar melhor nessas coisas distantes, e nos fatos do jornal dobrado e intacto ali perto, no que deverias fazer pela tarde se não fosse melhor, muito melhor, entregar-se à preguiça que aos devaneios do mundo real.

Se a chuva começa é sempre melhor. É o subterfúgio ideal. Não irás molhar os pés nem as costas. Deves cuidar dessa tosse.

Sentado, lembras que gostavas de ouvir uma gravação de Albeniz, e aquele acento fatal. E filmes de máfia. E crimes de amor. Traições e negociatas. E revanches indefectíveis. Mas a chuva… De onde ela tem esse poder encantatório de nos dar certeza de que fazendo nada se obtém mais?

Súbito, levantas. Essa mania de falar a ti como se fosse outro parece erguer outra pessoa ante teus olhos, mas são teus músculos e ossos que notam o esforço. Então és tu mesmo.

Vais à janela. Em redor, a cidade e suas milhares de rotinas em trânsito. Já estiveste ali como os demais, mas não tens saudade.

Num café próximo, ainda notável pela fachada, neste instante parece estar entrando alguém familiar no modo de andar e subir os degraus e de acenar aos funcionários e tomar da mesa que mais apreciavas para olhar o movimento da rua. Parece que te enxerga, a criatura incômoda, mas deve ser apenas impressão.

A velhice, então, é isso. É poderes fazer e preferir não fazê-lo. É gastar tua atenção no essencial, ainda que te escape o que possa ser isso a essa altura da vida. Apesar de tudo, é bom ter a certeza de que ganhas mais em saber do que não precisas no lugar do que ainda poderias aspirar. Se isso é ruim ou bom, tu não sabes. Nunca soubeste. Teu juízo, sempre particular — e ao mesmo tempo o mais inclemente.

Chamam-te à porta, na campainha. Pelo olho mágico, não vês ninguém. Ainda brincam disso as crianças? Que estranho… Prepara-te para sair à rua para investigar e a poltrona, convidativa, parece te chamar em contrário. Dorme mais um pouco… Vais aonde mesmo? Não. Deixa. Contanto que vás, não é preciso explicar. Eu também não preciso mais entender.

Poesia vestida de jazz

Artigo publicado no Caderno DOC do jornal Zero Hora, 09/12/2023.

No finalzinho de novembro, esteve em Porto Alegre o poeta Marco de Menezes para lançar o seu sétimo livro de poesia, Os Ternos de Charlie Parker e Outros Poemas. O livro saiu pela 7Letras, do Rio de Janeiro, e contou com o apoio cultural da Fundação Marcopolo, de Caxias do Sul. De acordo com ele, na conversa que ocorreu antes da sessão de autógrafos, trata-se de um livro que se antecipou a um anterior, inédito, e ganhou vida após um trabalho de releitura e edição que ele confessou fazer contando com a leitura e opinião de amigos.

Vivendo em Caxias do Sul desde a década de 1980, onde trabalha como médico, Marco teve seu primeiro livro de poemas, As Horas Dragas, publicado em 1999. Dez anos mais tarde, com Fim das Coisas Velhas, o primeiro dos livros editados pela lendária Modelo de Nuvem, venceu o Açorianos de poesia. O livro também foi o eleito o o “livro do ano” naquela edição do prêmio. Foi a primeira vez que um livro de poesia levou a dupla distinção.

Para aqueles que ainda não leram sua poesia, é prudente considerar que seus antecedentes vão mais para trás de seus livros iniciais. Começam ainda em Uruguaiana, sua cidade natal, e a influência subliminar de sua paisagem, a um tempo só impoluta e irrecuperável, costuma aparecer bastante em sua poesia, quase sempre em contraste a Caxias do Sul e sua inclinação industrial e capitalista. Também que os poemas longos, digressivos, muitas vezes se parecem a contos que se concluem no inesperado, em momentos líricos e abstratos, contrastando os desfechos narrativos mais definitivos. Pelo contrário, a sua poesia serve-se de planos abertos, prolongando-se para além do poema e que continuam a falar após a leitura. É mais comunicativa do que enunciativa e, por isso, muito envolvente.

Mas há também nesses antecedentes, não menos importante, uma nítida influência da literatura beat e do jazz, tantas são as vezes em que Marco se refere ao estilo musical e seus compositores, especialmente o saxofonista Charlie Parker, cuja ascese musical e espiritual rende ao livro seu ponto alto e também seu título. O mais cosmopolita e livre dos estilos musicais ouve-se muito nos poemas de Marco. Está presente nos ritmos assimétricos, no verso livre desamarrado (mas não frouxo) e ainda mais na liberdade de forma que nunca antecipa nada de sua dicção poética, garantindo a guinada, a surpresa e, às vezes, uma inesperada e familiar volta ao tema.

Se comparada à produção poética mais contemporânea, muito atenta aos efeitos e insights rápidos, no livro de Marco há como um reencontro com uma poesia menos impressionante e mais impressiva. À leitura, se quer entender o que diz e o que ela nos importa. Isso sempre com uma simplicidade de forma que desarma os leitores, sem dúvida terna, revelando aí uma das polissemias do título do livro e que, como numa prosa com pausas, vai lançando luzes sobre a memória, as pessoas e seus afetos, a paisagem e suas dubiedades externas e internas. É um livro que dificilmente um leitor atento se recusa a participar, porque imbuído da serenidade de quem não precisa provar coisa alguma com sua poesia.

A verdade é que não há muita distância entre a linguagem natural da pessoa e a poética do artista, e isso lhe confere, nos dois campos, uma aura de familiaridade impressionante, eliminando um tanto a distância entre persona e pessoa, ou suprimindo-a.

Como nas longas digressões sonoras de Charlie Parker, o instrumentista que extrapolou as sonoridades de sua época com inovações estilísticas que revolucionaram a música do século 20, a poesia do novo livro de Marco de Menezes transgride o minimalismo vigente e busca vestir “os ternos” de Charlie Parker para se apresentar novamente na poesia publicada por estes dias. A diferença será notada sobretudo por quem se encontra aberto à liberdade e a certo acento melancólico de uma poesia que pensa a vida com uma espécie de blue note. Tocante porque se percebe o quanto pouco arquitetada ela é, e imbuída de vida verdadeira. Quando se reencontra com a poesia de Marco de Menezes é difícil pensar em como conseguimos passar por esses anos de tumulto, pandêmicos, e não ter mais disso. Sorte dos leitores de poesia que o próximo, ainda que anterior a este, já está pronto também e não deve demorar a dar as caras por aí, trazendo de volta aos leitores a temática intimista e seu tom coloquial inconfundível.

Silêncio Ghibli

Às vezes, me acontece uma grande vontade de silêncio. Não é o silêncio da ausência dos decibéis, mas aquele dos pequenos ruídos. A possibilidade de calar os grandes rumores e concentrar-me nos pequenos resíduos. Como se fosse possível prestar atenção contínua no som que o vento causa ao passar pela superfície das folhas e das ramas, no zumbido de uma abelha indo e vindo, numa portinhola de uma casa abandonada batendo para ninguém. Um silêncio como o dos filmes do Studio Ghibli.

Estar no mundo de uma forma silenciosa é um desejo um pouco metafísico e por isso mesmo inacessível. É preciso estar no mundo para saber-se vivo. E estar no mundo significa ouvir incessantemente o que está sendo dito, ler o que está sendo escrito, devorar o que está sendo oferecido. É estar submetido à informação, aos anúncios das coisas e portar a angústia de não conseguir debulhar isso tudo numa forma razoável de consumo. É um empanturramento de vazios. Vazios rumorosos.

Ou você tem livros demais para ler ou tem todas as músicas do mundo à sua disposição ou está zapeando um catálogo labiríntico de uma referência que se dissolve noutra, de uma montanha de produtos que se materializam para você. Coisas que aparentemente existem e estão ali disponíveis, mas nada disso é o que você quer.

O seu desejo é o de poder ouvir a água como um peixe pode ouvi-la. Zunir como um inseto e ser ignorante do zunido. Ter aquelas imensas orelhas de um elefante e o seu mesmo direito de não compreender nada.

Mas não tente encontrar uma porta por onde acessar esse silêncio que não é o dos museus e suas coisas, tapetes, objetos e falsas aberturas. Esse silêncio de todas as músicas quando se as espreme muito. Talvez seja mais simples entrando numa indústria e aquele ruído tão absoluto que não se pode ouvir mais nada, e apenas suporta-se sem saber quando aquilo vai terminar, como uma espécie perfeita de infinito.

Por outro lado, há sons extremamente silenciosos. E há pessoas silenciosas que não ocupam mais do que o espaço que têm, embora se exija cada vez mais que todos estendam a sua existência e a prolonguem e signifiquem para além da própria vida. Logo já não será possível mais morrer neste mundo. Alguma coisa técnica tomará o seu lugar e continuará a sua vida, reproduzindo uma sucessão de hábitos, como se viver fosse apenas esse deslocamento da sua aparência e seus pensamentos repetitivos. Algo como os livros faziam e cada vez mais serão outras coisas e objetos.

A minha vontade, às vezes, era de acessar um silêncio elementar como o que eu sentia quando era criança ao carregar com minhas mãos infantis, numa vasilha, a água para encher os vasos de flores das sepulturas dos antepassados nos dias de Finados, quando acompanhava meu pai. O som da água na vasilha sacudindo era tão silencioso… Mas, se quisesse, eu podia quase tocá-lo e parar até ele com meus dedos. Essa possibilidade que agora me falta absolutamente, que a vida toma de todo o mundo e só mesmo a morte restitui, porque definitivamente não há outra forma possível de obtê-lo. Até mesmo escrever isso não é uma forma de rompê-lo?

Cosmos

A pior coisa que aconteceu na minha vida escolar foi quando, em 1982, a rede Globo passou a apresentar aos domingos, após o Fantástico, a série Cosmos, projeto de divulgação científica de Carl Sagan e sua esposa Ann Druyian.

Eu não assistia Cosmos no horário noturno, assistia a reprise da semana anterior aos sábados pela madrugada. A série era reprisada ali pelas 6 horas da manhã e não havia nada que me impedisse, a não ser a falta de energia elétrica, de assisti-la enrolado numa coberta naquelas típicas manhãs frias de Bagé.

Eu nunca tive coragem de assistir ao remake de 2004, com a apresentação de Neil DeGrasse Tyson. Seria uma espécie de profanação da memória sobrepor as novas imagens de computação gráfica àquelas primeiras, que se pareciam ainda um pouco aos efeitos de Jornada na Estrelas e Perdidos no Espaço. E a trilha de Vangelis, insubstituível, e que depois foi responsável por que se impedisse sua veiculação e reprodução em função de copyrights.

Com Cosmos eu fiquei sabendo de coisas que a educação formal nunca me ensinou. Pode ser que a memória me traia, mas eu tenho quase absoluta certeza de nunca ter tido nada além de rudimentos das ciências exatas e humanas e mesmo assim ter progredido. Ao longo dos anos escolares, não lembro de ter tido uma explicação mínima sobre o trabalho de Charles Darwin, de Galileu Galilei, de Nicolau Copérnico, J. Kepler, sobre os gregos nada além de Pitágoras (sem nenhuma contextualização de quem foi o sujeito), nada de filósofos e de literatura apenas nomes e períodos sem que precisasse distinguir nada. Em história, um vai e vem de datas desconexas, sem causa nem efeito. Nem em religião aprendia-se nada, isso que a minha era uma escola católica. A ciência sempre dogmática, o oposto do que deve ser. Arte? Nada. E assim tudo.

Quando passei no vestibular, pensava em como alguém com a minha educação poderia se sair tão bem em história, literatura e língua estrangeira sem ter estudado quase nada disso, afinal, precisava me concentrar nos meus déficits, as exatas, ou melhor, os decorebas das exatas. Eu tenho tanto horror às exatas que me recuso a fazer cálculos com números maiores de 1 dígito sem usar uma calculadora. Faço questão de não guardar nada disso e nada do que seja conhecimento aleatório no meu cérebro.

Com Sagan eu entendi pela primeira vez a importância das bibliotecas e quando fui conhecer a única que havia na minha cidade natal, soube que a minha ignorância não era individual, mas coletiva. E que certamente algo estava sendo sabotado em nosso país por meio de uma educação horrível, que ainda predomina. Com Cosmos eu entendi que deveria fugir à mesquinharia e ao reducionismo como o diabo da cruz. E que é sempre melhor assumir a ignorância do que passar recibo de prepotência.

Pessoas que não conseguem relacionar história e ideias não poderiam estar lecionando, mas há aos montes. Apesar de falar da história do universo, Sagan estava sempre atento ao essencial: de que o conhecimento que não leva a humildade é o caminho mais estreito em direção à violência e opressão. Sagan inutilizou para mim quase toda a educação que conheci depois. É uma lástima. Mas eu o agradeço até hoje por isso.

A angústia da transparência

Revista Parêntese, ed. 200

Posso não concordar com o que você escreve, mas defenderei até a morte o seu direito de publicá-lo.

Da mesma forma que Voltaire parece nunca ter dito ou escrito o bordão acima, aí está uma deturpação que eu certamente morrerei sem nunca ver um escritor proferir. Não é que alguém ainda se iluda de que um dia as coisas no mundo literário possam ter sido mais amenas, mas de qualquer forma seria improvável que o espírito de intolerância e dissidência que governa o mundo contemporâneo não fosse contaminar o mundo literário, universo no qual cada vez mais a competição e a distinção prevalecem sobre a cooperação.

O fato é que ainda está por ser estudada a força subjetiva que parece agir sobre os escritores no sentido de que afirmem que suas crenças quanto à literatura sejam sempre inquestionáveis e universais. Por que seriam? Isso apenas seria possível caso a literatura partisse de pressupostos científicos e fosse outra coisa que não o produto das tensões sociais, culturais e afetivas manifestando-se na subjetividade e daí aos objetos literários.

Mas se a sociedade busca refletir cada vez mais o campo multifacetado da diversidade, no da literatura o que prospera é o da autoafirmação. Não demora nada para que os escritores sintam-se compelidos a dizer o que para eles é a poesia, qual a ficção mais louvável, quais suas influências, no que eles acreditam, com que corrente política se identificam e assim por diante. No mundo da transparência total, todas essas posições vêm antes da qualidade do texto literário e determinará se o autor (ou autora) estará apto a integrar este ou aquele ambiente cultural, nutrir este ou aquele nicho de leitores, vencer este ou aquele prêmio cobiçado, etc. E assim a angústia da influência, que rendeu um livro clássico a Harold Bloom, hoje precisaria ser desdobrada na angústia da transparência – uma espécie de evolução de mero nervosismo ao transtorno de ansiedade generalizado.

Também me parece certo que essa volúpia dirigida ao próprio ego não é exatamente um fenômeno contemporâneo. É suficiente examinar o tanto de metalinguagem e metapoesia publicada ao longo do séc. XX, no qual se fez presente desde o primeiro modernismo com Manuel Bandeira e Drummond até os estertores da poesia marginal, com Paulo Leminski. Às vezes, parece mesmo haver nos poetas certa compulsão em categorizar a respeito de como deveria ser a poesia, sendo que esse “dever” quase sempre é um valor autoinstituído, uma garantia precípua, uma espécie de salvo-conduto indispensável ao pertencimento literário e do qual o próprio poeta é via de regra o exemplo mais bem acabado.

Do afetuoso Manuel Bandeira e sua prescrição de que “o poema deve ser como a nódoa no brim” ao intransigente João Cabral de Melo Neto afirmando “o poema final ninguém escreverá”, um desfile de escritores e escritoras e seus vaticínios literários consolidou essa tradição que hoje apenas transbordou, aliás, como tudo.

Na literatura contemporânea, tem sido bastante simples a tarefa de identificar que o grande movimento cultural catalisador das mentalidades está outra vez relacionado às contestações políticas e dramas de identidade e que o modelo de recepção vem se determinando mais pelo caráter ideológico do texto do que pela sua elaboração e qualidade estética. Nessa perspectiva, a ascensão de uma literatura engajada e de empoderamento civil tornou-se aparentemente um movimento inevitável. Mas assim já foi muitas vezes antes de agora e tudo indica que no devir cultural os ciclos voltem a alterar-se, assim como tendências e estilos preferidos. Não há razão para maiores ansiedades.

Em artigo publicado há não muito na revista Criação & Crítica, da FFLCH da USP, a professora e pesquisadora Leyla Perrone-Moisés nos lembra de que no séc. XIX houve escritores, como Victor Hugo, Émile Zola e Charles Dickens, que se dedicaram a uma literatura de denúncia social e, portanto, não se poderia alegar surpresa diante da proliferação presente, mesmo quando ela vise atender os anseios e problemas de identidade deste ou daquele grupo social, ou busque servir ao seu empoderamento. No mesmo trabalho, ela também alerta do risco de que “um livro que atenda somente às demandas sociopolíticas de seu tempo não terá mais o que dizer aos leitores do futuro”. Evidentemente, os editores e livreiros não parecem tão preocupados com isso se a circulação é mantida, além de que, por mais comprometida ou engajada que seja, ainda assim são textos literários, ao contrário dos outros 90% dos livros em circulação no Brasil atual (a CBL informa em sua pesquisa de mercado que a participação da literatura adulta no mercado foi de 6,18% em 2022).

Bom ou ruim, grave ou não tão grave assim, fato é que ao longo do tempo a literatura tem sobrevivido ao anúncio de sua decadência e fim. Também me parece pouco provável que uma literatura em defesa das boas causas, como defendeu recentemente em entrevista para O Globo o escritor Bernardo Carvalho, venha a obliterar a literatura de qualidade. Se James Joyce, Virginia Woolf, Vladimir Nabokov, Jorge Luis Borges e tantos outros escritores incontestáveis deixaram de receber o Nobel em detrimento de Herman Hesse, sempre tipificado como um autor “fácil”, certo é que nem por isso perderam o seu público e ainda o estão conquistando muito tempo após a sua morte. É natural que o escritor se angustie ao ver que sua obra é preterida por outras que ele julga de menor qualidade, mas essa decisão infelizmente não lhe compete. Que fazer? É preciso maturidade e aceitar a realidade ou então insurgir-se com um movimento, um manifesto, coisas que o tempo acelerado de agora parece simplesmente não dar muita atenção. Toda a reclamação que se possa fazer, mesmo a mais justa, soará apenas como um lamento solitário.

No seu Tratado da tolerância, Voltaire dizia que cada pessoa só deve acreditar no que lhe dita a própria razão, desde que o equilíbrio social não seja por isso rompido. O que temos por agora é mais deturpação do iluminista, são todos acreditando demais em si mesmos. Na era da transparência e do júri permanente das redes sociais, talvez seja preciso aceitar que a impermanência da atenção dos leitores é a nova regra, ainda que ao custo da própria transparência.