Casa 11, telefone 09

Escrevo para não enlouquecer. Com essa frase, Nydia Bonetti se apresenta em muitos sites e revistas onde tem poemas publicados. Não é uma frase à toa, pelo contrário. Além de qualquer coisa, mostra que a poeta crê, de fato, na possibilidade de ser remediada por intermédio do ato criativo poético. Fica mais fácil entender que é alguém que leva a sério a sua criação e isso não quer dizer que se autovaloriza por isso, mas que empenha a sua saúde emocional nos versos que cria. Realmente, se nota a emoção rapidamente na sua poesia, ainda mais com um livro autobiográfico como 𝗖𝗮𝘀𝗮 𝟭𝟭, 𝘁𝗲𝗹𝗲𝗳𝗼𝗻𝗲 𝟬𝟵 (Urutau, 2021).

Eu sempre tive um pouco de dificuldade com poesia mais biográfica, que conta a vida. Acho que menos pela poesia do que pela vida. Tenho um tanto de receio do que a poesia pode realizar existencialmente. Mais receio pelo traço biográfico e do indevassável da experiência de cada um. Por outro lado, adoro livros de memórias e romances de formação, especialmente se tratam da infância, esse momento tão deslocado da vida adulta e também tão breve. Receio de conhecer demais da pessoa pela sua poesia e de me sentir por isso mesmo algo invasivo.

Com o livro de Nydia, no entanto, eu passei longe dessa dificuldade. Mesmo quando seus poemas breves funcionam como pinturas ou retratos, esse é um passeio conduzido pela sua mão. Sente-se a poeta contando o que é paisagem trivial, o que são personagens e o que são memórias. A poeta no caso não intercede no seu passado, mas flagra-o em seu potencial de efemeridade. E vê além de si, vê dos outros, da casa de infância e dos lugares sensitivos que ela vai colocando como se em haleto de prata para então comunicar uma nova realidade só agora revelada, pela combinação da ação do tempo e da palavra.

Quem escreve a casa da infância e a infância corre o risco de pensar num interlocutor que também a conheça. Mas a casa não fica como um ente, ela é absorvida pelos seus residentes, ela é “a casa onde moro”, lacrada pelo afeto e destelhada pelo “vendaval do tempo”. Quem escreve a casa da infância aceita desabrigar-se do lado de fora, do inevitável distanciamento. Ali, as árvores estão ou não estão por artes do esquecimento. Os objetos estão descorporificados, já não têm substância, só essência.

É um livro para o qual bastaria determinar um elogio para ser descrito, o de Nydia. Os pequenos poemas todos são uma história só. História da sua vida que ela tinha mesmo de escrever, porque para quem cuida da memória afetiva (sua e a dos outros), um livro é um espaço de dignidade, de auto respeito.

Olho para o meu aqui, com o seu autógrafo, e vejo que é um livro que me fez mudar até minha forma de ler; ou que me permitiu ler sem grandes artifícios, pela sua simplicidade encantadora. Um pouco eu sabia que ele seria assim porque já o havia divulgado na Sepé, por gentileza da Nydia, e também porque já gostava muito da sua poesia. Mas não sabia a magnitude desse presente que me dei ao comprá-lo. Agora eu sei.

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