Tenho certeza que a leitura de “Down House” pode ser um tanto frustrante para pessoas que buscam nele algo inédito ou muito relevante para a história da ciência ou as ciências biológicas. Tudo que há ali sobre isso é bem sabido e difundido nas excelentes biografias de Darwin que há nas livrarias. Eu diria que os momentos em que essas coisas aparecem no livro me serviram de “escoras” para contar o que me despertou, de fato, interesse narrativo: a breve vida do seu filho Charles Waring que ele reportou logo da morte do bebê num memorial que, penso eu, é um documento de tanta relevância histórica quanto os seus textos e artigos sobre ciências naturais.
O bebê Charles Waring, ou Charlie, como era chamado em casa, provavelmente nasceu com a síndrome de Down e morreu no mesmo dia em que a teoria da seleção natural foi revelada ao mundo, no salão principal da Biblioteca Linneana, em Londres. Esses tempos perguntei às “inteligências artificiais”, e DeepSeek e ChatGpt foram categóricos: o décimo filho de Darwin e Emma nasceu com a síndrome de Down. Não é que eu confie cegamente nessas coisas, mas acho que elas “leram” bastante para ter tanta certeza assim nisso.
Meu livro é uma ficção histórica contada a partir do mordomo da casa, Joseph Parslow, um narrador comedido e emocionado, efetivamente envolvido com a vida da família e que, além de mordomo, foi o principal auxiliar de Darwin na introdução dos visitantes de Down House nos estudos do naturalista.
Parslow foi tão importante na vida de Darwin e tão reconhecido pela família, que, no funeral que o levou à abadia de Westminster, integrou a primeira fila dos acompanhantes, ao lado de membros da Royal Society, da nobreza britânica e representantes da própria realeza. Darwin não escolheu onde seria sepultado, o documentos referem que preferia o adro da capela de St. Mary, mas assim a Coroa decidiu. Emma principalmente fez questão do acompanhamento do mordomo, deixando nas galerias gente como Herbert Spencer, de quem Darwin gostava de manter certa distância.
Spencer foi o autor da deturpação que deu origem ao darwinismo social e suas derivações mais absurdas e inaceitáveis. A “sobrevivência do mais apto” em lugar da “adaptação”. A “seleção natural” aplicada ao mundo social sem qualquer nuance e consideração. Mas essa é uma discussão que extrapola e muito ao âmbito do meu livro, embora me interesse muito em seus desdobramentos. Até o fim da vida, Darwin manteve o espírito investigativo e em torno do ano de 1873 (15 anos após a morte do bebê) trocou correspondências com o Dr. John Langdon Down, médico que descreveu pela primeira vez a síndrome que depois levou seu nome. Nas cartas, o Dr. Down explicava a Darwin características do “mongolismo” sem entender sua etiologia de fundo genético, mas garantia-lhe que aquele não era um fato da “reversão”, pois ocorria em todas as etnias.
Esta não é a história do livro, mas é uma história muito interessante, pois Darwin havia notado e registrado os atrasos do filho no memorial. Mas o mais importante lá não me parece ser isso, e sim o encanto e os temores para com o bebê. Imaginar estes sentimentos íntimos e esboçá-los sem dar certeza de nada foi a intenção do meu livro.
* * *
Algumas vezes, jornalistas e pessoas da ciência me pediram para dizer coisas absurdas em razão de ter escrito o livro.
“Nos dê um resumo rápido sobre a seleção natural…”
“Por que Darwin não se refere a Mendel no seu trabalho?”
Lamentavelmente, minha pesquisa não chegou a tanto. Cheguei mesmo, não escondo isso, a negligenciar fatos que para os biólogos são indispensáveis na compreensão da sua teoria.
Não. Meu livro é de âmbito doméstico. Privado. Um que os biógrafos não viram nem nunca verão. Só um intruso como eu me camuflaria sob a pele do mordomo para narrar coisas assim. A minha sorte é que o mordomo Joseph Parslow era um sujeito de uma nobreza invejável. Nobreza de espírito, aliás, a única que importa.
* * *
Hoje no mudo inteiro é celebrado o Darwin Day em memória ao nascimento de Charles. Com algum atraso, acho que vamos mesmo fazer a live para falar do livro. Estou só esperando que minha interlocutora tenha condições.
A editora Dialogar colocou nesta semana o livro em preço promocional.
Peça ao seu livreiro preferido ou visite em
https://www.dialogar.net.br/product-page/down-house-1858