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Coisas outras

Num limiar, numa pequena fresta entre os gêneros literários mais “nobres”, é onde foi se alojar a crônica. O seu aspecto simples, comum, prosaico, às vezes simplório mesmo, ao longo do tempo tornou o gênero o mais praticado pelos leitores. Sim, pelos leitores, pois a crônica é o gênero no qual o leitor mais toma parte ativa e do qual se pede cumplicidade e concessão desde a primeira letra.

Quero dizer com isso que faz muito sentido um poeta escrever uma obra para a posteridade, por exemplo, mas nem um sentido isso faz para o cronista. A poesia é gênero que mira a eternidade enquanto a crônica vislumbra quando muito o horizonte do momento. A brevidade do momento e, às vezes, a anotação de um pensamento qualquer. Sua durabilidade depende de um sentido de universalidade distinto de outros gêneros. Um que se estabelece, por contraditório que pareça, na fixação do efêmero.

Mas aqui, para encerrar de uma vez essas considerações iniciais, interessa mesmo dizer que as definições de crônica sabidamente nunca chegaram a um consenso e cada cronista tem lá suas especificações e instruções particulares, como se tratasse de fórmula alquímica. Ou um modo de agir.

Enquanto alguns se dedicam mais ao cotidiano, outros vão à berlinda com a ficção, outros ainda se dedicam ao humour ou sentimentalismo, enfim, as margens são muitas, mas o que talvez mais importe seja que a crônica é a escrita desarmada por excelência, e que não deseja comprovar coisa alguma, muito mais oferecer o olhar do escritor conforme ele é menos articulado e consequentemente mais espontâneo. Eis aqui uma definição universal? Quem dera, mas penso que são apenas as instruções de que falava antes a respeito do que o leitor poderá encontrar neste apanhado.

Possivelmente, as crônicas e textos reunidos neste volume tenham em comum a diferenciação dos demais gêneros do que uma fórmula própria. A ausência de fórmula e premeditação, aliás, é o que sempre me levou a escrever com a displicência necessária a quem deseja escrever para nada comprovar, pelo ímpeto de traduzir em palavras pensamentos e situações que poderiam muito bem passar sem qualquer registro. Ninguém notaria sua falta. Todavia, depois de escritas, tornam-se indispensáveis. Parte mesma das coisas quaisquer que sejam elas: as “coisas”.

O que eu noto mesmo é que nesse conjunto que segue há uma pobreza impressionante de metáforas. Também não há símiles. Dito isso, sabe-se então que a poesia não pode estar erguida sem esse sustentáculo retórico que a ergue no ar, com sua solenidade tamanha. Não. Nestes textos, não há solenidade a não ser aquela encontrada ao acaso nas ruas, onde se tropeçou nela e se a encontrou e abraçou como um pensamento comum, ordinário, reconhecível à distância, do caráter mais humano –  e por isso falível – do vivido e pensado ao  escrito.

Por essas razões (e outras que não me ocorrem agora), o que vem a seguir não tem uma linha temática, um estilo, uma abordagem ou uma proposta definida. De tudo o que tenho escrito, são as coisas menos projetadas. Não eram exatamente para dar em livro, deram ares nas redes sociais, às vezes algum veículo as publicou e muitas vezes foram pensamentos que sem muito esforço nasceram e vivificaram. Não são poemas, mas podem eventualmente trazer o poético. São quase contos, sensações do momento, impressões de alguma coisa. São as coisas outras que nunca almejaram o literário e só mesmo a crônica em sua liberdade e despojamento poderia abraçá-las nessa intenção desfeita em pouco, agora registrada em livro.

3 canções de Sibylle Baier

Sibylle Baier (1945) é uma atriz e cantora folk alemã. Seu disco Colour Green, de 2006, reúne canções que ela gravou nos anos 70 e só veio a público por insistência do seu filho, tornando-se quase imediatamente objeto de culto.

Eu perdi algo nos montes

Nos últimos tempos
Eu sempre choro
Quando passo pelos montes

Oh, o que as imagens me trazem
Oh, eu espero tanto
Pelas raízes da floresta
A origem das minhas brutalidades

Eu perdi algo nos montes
Eu perdi algo..

Outros crescem nas cidades
Eu cresci nesses montes
Onde primeiro o amor e a alma surgem
Lá vão os tempos da minha vida
Quando me sentia doida, desvairada
E somente a campina me trazia esperança

Quando minha perna passar da grama alta, eu morrerei
Eu vou morrer sob o jasmineiro –
Sob a árvore mais velha –
Então eu não preciso estar preparada

Eu vou morrer sob o jasmineiro
E sob uma velha árvore
Eu não preciso me preparar para um novo dia
Onde vou preencher a profundidade do que sinto?

Você vai dizer que eu não sou o pisco da floresta
Mas como eu poderia não deixar sinais
De que perdi algo nos montes?

Eu perdi alguma coisa nos montes
Oh, eu perdi algo nas montes..

Agora eu me inclino no peitoril da janela
E eu choro, embora seja bobagem
E eu estou sonhando completamente..

Oh eu sei, mais a oeste existem estas montanhas
Marcadas por macieiras, sulcadas pela corredeira
Isso me leva aonde eu quiser

Bem, eu perdi algo nos montes
Eu perdi algo nos montes.
Oh, eu perdi algo..

I Lost Something in the Hills

Everytime I shed tears
In the last past years
When I pass through the hills

Oh, what images return
Oh, I yearn
For the roots of the woods
That origin of all my strong and strange moods

I lost something in the hills
I lost something in the hills

I grew up in declivities
Others grow up in cities
Where first love and soul takes rise

There were times in my life
When I felt mad and deprived
And only the slopes gave me hope

When I pass through the leg high grass, I shall die
Under the jasmine, I shall die
In the elder tree
I need not try to prepare for a new coming day
Where is it that fills the deepness I feel?

You will say I’m not Robin the Hood
But how could I hide from top to foot

That I lost something in the hills
I lost something in the hills
Oh, I lost something in the hills

Now I lean on my windowsill
And I cry, though it’s silly
And I’m dreaming of off and away

Oh, I know farther west, these hills exist
Marked by apple trees
Marked by a straight brook
That leads me wherever I want it to

Well I lost something in the hills
I lost something in the hills

Oh, I lost something in the hills


Esqueça isso

Você me fez esquecer
De ter, querer, exercer

Eu de repente me sinto orgulhosa
Por ficar sem dizer nada

Você me fez esquecer
Passado e dor

E o tempo você lavou
Como uma chuva repentina de verão

Você me fez bem,
Me fez tão bem
Que me fez esquecer

Você me fez esquecer
De ter, de querer, de exercer

E de repente eu descobri
Como é lindo o jeito que você veste sua camisa

Você me fez tão bem…
Você me fez esquecer

Forget about

You made me forget about
Have, want, exert
And all of a sudden, I feel proud
Of being, without saying a word

You made me forget about
Past and pain
Time, you washed out
Like a soft, sudden, summer rain

You do me good
You do me
So good, you made me forget about

You made me forget about
Have, want and exert
And all of a sudden, I found out
Oh, it’s beautiful, the way you wear your shirt
You do me good, you made me forget about


O fim

É o fim, amigo meu
É o fim

Foi-se o tempo quando poderíamos simplesmente dizer eu te amo
Agora você abriu a porta
E me deixou chorando
Tentando te abraçar de novo
Buscando enfrentar essa maldita situação, cara
Mas eu não posso
É o fim, amigo meu
É o fim

Querido amigo, eu não sei dizer porque começamos bem
Bons tempos, mas me dê um pouco de vinho quando abrir a porta
Você parece magoado, não tente falar nada
O que neste mundo poderia mesmo dar errado entre nós?
No entanto, é o fim, meu amigo
É o fim, doce amigo meu
Parece que acabou o tempo quando poderíamos simplesmente dizer eu te amo

Agora você abriu a porta
E eu sinto frio
Acordada, tenho você em meus braços
Eu disse que a vida é curta, mas o amor antigo
É o fim, amigo meu
É o fim, doce amigo

The end

It’s the end, friend of mine
It’s the end, friend of mine

time is over where we could simply say I love you
Now you opened the door
Leave me crying
Trying to embrace you again
Trying to face this damn situation man
I can’t
It’s the end, friend of mine
It’s the end, sweet friend of mine

dear friend, I cannot tell the reasons why we started well
Good time, give me some wine when you open the door
You seem hurt, don’t try to speak a word to me
What on earth could really go wrong with you and me?
Yet its the end, friend of mine
It’s the end, sweet friend of mine

time seems to be over where we could simply say I love you
Now you opened the door
I feel cold
Wakened, I hold you in my arms
Told you that life is short but love is old
It’s the end, friend of mine
It’s the end, sweet friend

The trapeze swinger (Sam Bean)

Sam Bean (1974), que também usa o nome artístico Iron & Wine, é cantor e compositor estadunidense de folk rock. Beam lançou seu primeiro álbum como Iron & Wine em 2002, intitulado “The Creek Drank the Cradle”, pela gravadora Sub Pop. “The trapeze swinger” está no álbum “Around the weel”, de 2009.

O trapezista

Por favor, lembre-se de mim
com alegria,
ainda próximo à roseira, rindo
e cheio de machucados no queixo.
Na época em que
contávamos, ainda acordados,
cada carro preto que passava
por sua casa, abaixo da colina,
até que alguém nos pegou na cozinha
com mapas, sob uma cadeia montanhosa,
um cofrinho de porco
e uma remota visão do futuro.

Mas, por favor, lembre-se de mim
carinhosamente…

Ouvi dizer que você continua linda
e que eles ficaram dizendo
que os portões perolados
tinham graffitis eloquentes
tipo “nós nos encontraremos de novo”
e “foda-se o homem”
e “diga para minha mãe não se preocupar”
e anjos com seus cumprimentos
cinzentos
feitos sempre com tanta pressa.

E, por favor, lembre-se de mim
no Halloween
fazendo todos os vizinhos de idiotas
com nossos rostos pintados de branco.

Pela meia-noite
nós esquecemos um ao outro
e quando a manhã chegou
eu estava morto de vergonha.

Somente agora parece tão bobo:
aquela época deixou este mundo
e depois retornou
e agora você está iluminada pela cidade.

Então, por favor, lembre-se de mim
de uma forma errada.
Na janela da mais alta torre
eles passam por nós,
mas alto demais
para ver a estrada vazia no happy hour.
Partem e ressoam
iguais aos portões
em torno do reino sagrado
com palavras como
“Achados e Perdidos”
e “Não olhe para baixo”
e “Alguém me salve da tentação”.

Por favor, lembre-se de mim
como no sonho,
éramos como bebês esfolados
entre as árvores caídas
e dormindo rápido
à parte os leões e as damas
que lhe chamaram como você prefere
e podem até mesmo
presenteá-la pelo seu comportamento
e uma chance efêmera de ver
um trapézio
balançar tão alto quanto
quem a socorreria.

Mas, por favor, lembre-se de mim
em minha tristeza
e como eu perdi tudo o que queria…

Aqueles cachorros que amam a chuva
a perseguir trens.

Os pássaros coloridos lá em cima correndo
em círculos em volta do poço
e onde ele descansa
na parede atrás do St. Peter
tão brilhante no cinza
com tinta spray
“Quem diabos pode sempre entender?”

E, por favor, lembre-se,
de vez em quando…
No carro atrás do carnaval,
com minha mão entre seus joelhos
e você virou para mim dizendo
“O espetáculo do trapezista foi maravilhoso”

O trapezista

Please, remember me happily
By the rosebush laughing
With bruises on my chin
The time when we counted every black car passing

Your house beneath the hill and up until
Someone caught us in the kitchen
With maps, a mountain range, a piggy bank
A vision too removed to mention

But please, remember me fondly
I heard from someone you’re still pretty
And then they went on to say that the pearly gates
Had some eloquent graffiti

Like “We’ll meet again” and “Fuck the man”
And “Tell my mother not to worry”
And angels with their gray handshakes
Were always done in such a hurry

And please, remember me at Halloween
Making fools of all the neighbors
Our faces painted white by midnight
We’d forgotten one another

And when the morning came, I was ashamed
Only now it seems so silly
That season left the world and then returned
But now you’re lit up by the city

So please, remember me mistakenly
In the window of the tallest tower call
Then pass us by but much too high
To see the empty road at happy hour

Gleam and resonate just like the gates
Around the holy kingdom
With words like “Lost and found” and “Don’t look down”
And “Someone save temptation”

And please, remember me as in the dream
We had as rug-burned babies
Among the fallen trees and fast asleep
Beside the lions and the ladies

That called you what you like and even might
Give a gift for your behavior
A fleeting chance to see a trapeze
Swinger high as any savior

But please, remember me, my misery
And how it lost me all I wanted
Those dogs that love the rain and chasing trains
The colored birds above their running

In circles ‘round the well and where it spells
On the wall behind St. Peter’s
So bright on cinder gray and spray paint
“Who the hell can see forever?”

And please, remember me seldomly
In the car behind the carnival
My hand between your knees, you turn from me
And said the trapeze act was wonderful

But never meant to last, the clowns that passed
Saw me just come up with anger
When it filled with circus dogs, the parking lot
Had an element of danger

So please, remember me, finally
And all my uphill clawing, my dear
But if I make the pearly gates
Do my best to make a drawing

Of God and Lucifer, a boy and girl
An angel kissing on a sinner
A monkey and a man, a marching band
All around the frightened trapeze swingers

Who knows where the time goes (Sandy Denny)

Alexandra Elene MacLean Denny (Sandy Denny, 1947 – 1978) foi uma cantora inglesa que foi vocalista da banda britânica de folk rock Fairport Convention. Gravou apenas quatro discos em nome próprio mas ainda é a rainha da folk-rock britânica.

Quem sabe aonde o tempo vai?

No céu noturno, todos os pássaros vão embora
Mas como eles sabem que é hora de partir?
Antes do fogo do inverno, ainda estarei sonhando
Mas eu nunca penso no tempo

E, afinal, quem sabe para onde vai o tempo?
Quem sabe onde o tempo vai?

A praia está triste e deserta, seus amigos incertos partiram
Ah, mas então você sabia que era hora de eles irem
Mas eu ainda estarei aqui, não penso em sair
Eu nunca nem conto o tempo

Pois quem sabe para onde vai o tempo?
Quem sabe onde o tempo vai?

Eu não estou sozinha enquanto o meu amor está próximo
Eu sei que vai ser assim até a hora de partir
Então vêm as tempestades de inverno
E depois os pássaros na primavera outra vez
Mas eu não tenho medo do tempo

Pois quem sabe como o meu amor cresce?
E quem sabe para onde vai o tempo?

Who Knows Where The Time Goes

Across the evening sky, all the birds are leaving
But how can they know it’s time for them to go?
Before the winter fire, I will still be dreaming
I have no thought of time

For who knows where the time goes?
Who knows where the time goes?

Sad, deserted shore, your fickle friends are leaving
Ah, but then you know it’s time for them to go
But I will still be here, I have no thought of leaving
I do not count the time

For who knows where the time goes?
Who knows where the time goes?

And I am not alone while my love is near me
I know it will be so until it’s time to go
So come the storms of winter and then the birds in spring again
I have no fear of time

For who knows how my love grows?
And who knows where the time goes?

In tall buildings (John Hartford)

John Cowan Hartford (1937–2001) foi um bandolinista, guitarrista acústico, violinista, banjoísta, dançarino, piloto de rebocador e barco fluvial a vapor, compositor e cantor folk e country americano conhecido por suas letras espirituosas, estilo vocal único e extenso conhecimento da tradição do rio Mississippi.

Num arranha-céu

Um dia desses, quando eu for um homem
E outros me ensinarem
Tudo o que eles puderem
Me venderão um terno
E cortarão meu cabelo
E me enviarão a trabalhar num arranha-céu

Isto significa dar adeus ao sol
E adeus ao orvalho
Adeus às flores
E adeus a você –
Eu estou indo para o metrô
Não devo me atrasar
E ir ao trabalho num destes arranha-céus

Mas quando eu me aposentar
E minha vida voltar a ser minha
E eu não dever mais nada a ninguém
Será hora de ir para casa
Eu me pergunto o que houve
Nem uma coisa e nem outra
Quando fui trabalhar nos arranha-céus

E é adeus ao sol
Adeus ao orvalho
Adeus às flores
E adeus a você
Eu estou indo para o metrô
Eu não devo me atrasar
Para estar no arranha-céu

In tall buildings

Someday, my baby, when I am a man
And others have taught me the best that they can
They’ll sell me a suit then cut off my hair
And send me to work in tall buildings

So it’s goodbye to the sunshine
Goodbye to the dew
Goodbye to the flowers
And goodbye to you
I’m off to the subway
I must not be late
I’m going to work in tall buildings

Oh when I retire
My life is my own
I made all the payments
It’s time to go home
And wonder what happened
Betwixt and between
When I went to work in tall buildings

So it’s goodbye to the sunshine
Goodbye to the dew
Goodbye to the flowers
And goodbye to you
I’m off to the subway
I must not be late
Going to work in tall buildings

So it’s goodbye to the sunshine
Goodbye to the dew
Goodbye to the flowers
And goodbye to you
I’m off to the subway
I must not be late
I’m going to work in tall buildings

3 canções de Karen Dalton

Karen Dalton (1937-1993) foi uma cantora e compositora norte-americana descendente de indígenas Cherokee e que chegou em Nova York, vinda de Oklahoma, para integrar o movimento de folk music do Greenwich Village. Gravou dois discos de estúdio, It’s So Hard to Tell Who’s Going to Love You the Best e In My Own Time, entre 1969 e 1971, e possui algumas gravações ao vivo. Em 2012, uma coleção de suas letras, poemas e escritos foi reunida em livro por Peter Walker. Em 2015, diversos artistas produziram um disco de suas músicas inéditas, intitulado Remembering mountais. Sobre sua vida, carreira e destino trágico, o cineasta Win Wenders produziu em 2020 o documentário Karen Dalton: In My Own Time. Neste ano, 2022, 12 novas gravações e imagens de Karen vieram a público com a edição do disco Shuckin’ Sugar.

Katie Cruel

Quando cheguei na cidade
Me chamavam “joia itinerante”
Agora eles mudaram de tom
Me chamam de Katie Cruel

Eu vou pela floresta
E através da lama pegadiça
Caminho sob a estrada
A fim de ouvir meu coração

Se eu estivesse onde queria
Então estaria onde não estou
Aqui estou porque preciso
Onde queria, não posso mais

Quando eu dei por aqui
Trouxeram bebidas sem fim
Agora mudaram de tom
Trazem as garrafas vazias

Se eu estivesse onde queria
Então estaria onde não estou
Aqui estou porque preciso
Onde queria, não posso mais

Katie Cruel

When I first came to town
They call me the roving jewel
Now they’ve change their tune
Call me Katie Cruel

Through the woods I go
And through the boggy mire
Straight way down the road
‘Til I come to my heart’s desire

If I was where I would be
Then I’d be where I am not
Here I am where I must be
Where I would be, I cannot

When I first came to town
They brought me drinks of plenty
Now they’ve changed their tune
And hand me the bottles empty

If I was where I would be
Then I’d be where I am not
Here I am where I must be
Where I would be, I cannot


Algo em mente

Ontem
De qualquer modo você o fez, está tudo bem
Eu vi você transformar seus dias em noites
Você não sabia
Você não pode fazer isso se não tentar
E algo está em sua mente, não é assim?

Um dia desses você vai ver que estava quebrando a cabeça
Deixando todos os seus sonhos para trás
Você não viu
Você não pode fazer isso se não tentar
E você tem algo em mente, não é?

Talvez num outro dia você vai querer sentir de outra maneira
Mas você não pode parar de chorar
E você não tem uma só coisa a dizer
E sente que quer fugir
Mas não adianta tentar, de qualquer jeito
Eu vi o que está escrito na parede
Quem não puder se manter sempre irá cair
Você não sabia?
Você não pode fazer isso se não tentar

E você tem algo mente, não é assim?
Você tem algo em mente, não tem?

Something on your mind

Yesterday, any way you made it was just fine
So you turned your days into night-time
Didn’t you know, you can’t make it without ever even trying?
And something’s on your mind, isn’t it?

Let these times show you that you’re breaking up the lines
Leaving all your dreams too far behind
Didn’t you see, you can’t make it without ever even trying?
And something’s on your mind

Maybe another day you’ll want to feel another way, you can’t stop crying
You haven’t got a thing to say, you feel you want to run away
There’s no use trying, anyway
I’ve seen the writing on the wall
Who cannot maintain will always fall
Well, you know, you can’t make it without ever even trying
Something’s on your mind, isn’t it?
Tell the truth now, isn’t it?

Something’s on your mind, isn’t it?
Something’s on your mind


Relembrando montanhas

O sol cairá no desfiladeiro
Eu rezo em cada pedra e árvore
Deixe a beleza no fim
E que tudo fique belo
E que tudo termine belo

Agora o tempo é seu, você estará sozinha
Em seu quarto, lembrando-se das montanhas
Você acha ainda que as estações mudam sem o seu coração?
Você está sonhando?
Todos os dias iremos até você, desiludindo-a
Você saberá que não há separação sem tristeza

Então você sentará perto da janela, vendo os dias passarem
Sozinha em seu quarto, lembrando montanhas
Você pensa em todos os caminhos que não seguiu?
Você está sonhando?
A cada lugar que vamos, você não sabe, mas amanhã
Eu acredito que amanhã você encontrará
O que a trará de volta

Remembering mountains

Sun will fall across the canyon wall
My prayer on every stone and tree
Let the last be beauty
All in beauty, all in beauty

Now your time is your own, you’ll be alone
And sit in your room remembering mountains
Do you think the seasons change without your heart?
Are you dreaming?
Every day and night we’ll come to your mind, undeceiving
You will know there’s no parting without sorrow

So you sit by the window, watching the days go
Alone in your room remembering mountains
Do you think of all the ways that you didn’t follow?
Are you dreaming?
Every way we lead, you are undefined, tomorrow
I’m believing you will find tomorrow
Brings you to return

Inventário

Publicar é um leilão da mente, escreveu Emily Dickinson. Sabe-se lá em qual de suas hesitações lhe surgiu a ideia, mas eu acho que ela tinha razão quanto a isso. Duvido muito dos poetas que não vacilam diante à possibilidade de multiplicar a sua criação e submetê-la à leitura dos demais. É uma situação no mínimo estranha porque, apesar de que a poesia prescinda da publicação para ganhar forma, é por meio dela que a obra pode ser avaliada, medida, esquadrinhada, aquilatada, amada ou, horror dos horrores, detestada..

Quando a ideia de reunir e antologizar meus poemas surgiu numa conversa com o Thomaz a fim de integrar a coleção “Poesia” da sua nascente TAN Editorial, não imaginava que, afinal, eu estava prestes a colocar o que havia escrito a um leilão para mim mesmo. Havia que arrematar de um conjunto relativamente extenso o que de mais valioso me parecia ou, melhor, deixasse de lado o que julgava de menos valor. Não fosse a ideia uma antologia, seria uma sugestão das mais terríveis: cortar na carne..

Esse exame dos três volumes que produzi de 2017 para cá, no entanto, me permitiu pesar com uma balança de precisão os exageros e descaminhos dos livros que havia feito de modo quase privado para resultar, finalmente, num volume como talvez devesse ter sido sempre. Um tanto grande, de fato, nas suas 414 páginas, mas do tamanho necessário para que não perdesse o seu “tutano” e, ao mesmo tempo, resultasse do desbaste de uma vida, a ver que compreende um período de 35 anos (1986 -2020) de atividade..

Brinco com o Thomaz que os seus livrões parecem obra póstuma e é verdade que juntei essa hesitação às anteriores, de voltar a mexer nesses poemas. Isso num ano em que eu desejava mesmo parar tudo e me dedicar a um novo trabalho. Com ardis mais de leitor que de editor, ele foi demovendo minhas ressalvas de um modo inacreditavelmente sábio: colocando-me a trabalhar..

E outra: se eu não soubesse que havia continuado a escrever, pensava que seria hora de parar. Uma injustiça terrível, já que parece que comecei ontem..

Felizmente, não se tratava disso. A verdade é que não tenho meios nem palavras para dizer da minha sorte em ter encontrado “este” editor. As mil vezes que revisamos tudo: ordem, margens e detalhes do volume já seriam impagáveis. Ao final, ficou claro que não se tratava de um trabalho de editor, mas de um amigo mesmo. E um amigo obcecado em qualidade. Só que ele tenha me proposto o livro (numa clássica inversão de papéis) já seria para mim razão de orgulho, mas conhecer de perto sua devoção à poesia apenas me fez esclarecer algumas intuições prévias. Antes de tudo um leitor respeitoso e atento e, ainda por cima, ao tempo em que editava e publicava a obra do seu próprio pai. Bah! Não sei o que mais se poderia pedir de um editor. Sorte a minha.

Em tempo: embora o livro ainda não se encontre à venda nas livrarias (na editora estará a partir de segunda-feira – https://taneditorial.com.br/), pode ser encomendado comigo, em privado. A partir da próxima semana, já tenho condições de remetê-lo aos interessados. Em breve digo aqui onde mais comprar o livro. Estamos vendo de fazer um lançamento “oficial”, porém não tenho porque trancá-lo aqui. É uma edição pequena e numerada. Vai com meu autógrafo e agradecimento sincero.

A outra face, de Armando Moura Filho

Foi bem por essa época, há uns dois anos, que recebi pelo correio os originais de um poeta que aos 75 anos de idade havia começado a escrever e publicar esparsamente nas redes. O nome do incauto? Armando Moura Filho.

O pacote continha uma matéria bruta de quem obviamente havia andado a escrever sem se preocupar com o amanhã. E eu acho que exatamente isso me encantou na tarefa de ajudá-lo a organizar do “pacote” um volume, um livro: este “A outra face” que agora nasce pelas mãos do Roberto Prym e da Bestiário/Class.

Enquanto aguardo meu exemplar, fico aqui pensando que, no que diz respeito à poesia, é incrível que eu ainda não tenha nada muito certo em mente. Nem muito e nem nada: prefiro mesmo não ter. Acredito realmente que cada pessoa constitui uma trajetória a despeito das influências, leituras, grupos, amizades… E também que é preciso não saber muito bem o que se está fazendo como regra e também o que estão fazendo o vizinho, o parente, o amigo e assim por diante.

Não é que eu desconheça ótimas obras planejadas ou outras excelentes arquitetadas mental e formalmente, mas esse não é o meu ponto: o que eu quero dizer é que o/a poeta às vezes melhor se sairá se não estiver certo nem de sua predestinação e nem estiver cioso da sua qualidade.

Quanto à qualidade, as razões são óbvias: a autoindulgência costuma ser traiçoeira e comprometedora. Já a vaidade excessiva dificilmente não soa grotesca. Nesse raciocínio, chego a ser meio extremista, é preciso duvidar, sim, até o último ponto e, mesmo depois de impresso e publicado, continuar insatisfeito. Pode não ser essa uma receita de sucesso, mas seguramente é de honestidade. Neste caso, honestidade para consigo mesmo. Isso posso garantir que não falta ao Armando.

Às vezes, vejo por aqui poetas que anunciam “amar” seu poemas ou dizendo de um ou outro dentre a própria criação os seus “prediletos”. É um comportamento que me parece estranhíssimo. Não é que para mim um artista não possa estabelecer um vínculo estético-afetivo com a própria obra, porém isso cria um impasse na apreciação que é terrível. Ou seria viável esperar por uma apreciação que, mediante essa negociação, ocorresse com a liberdade necessária e não parecesse afronta pessoal?

Do Armando eu posso garantir isso: a falta de afetação e a busca sincera por uma poética consequente com sua vida, suas perdas e interesses e dúvidas.

Desde a primeira vez que li a montanha de folhas soltas, me passou que daria um livro com uma intensa vitalidade. Ali estão os mundos de um homem solitário e solidário, o mundo movediço e noturno dos advogados, o das narrativas mais prosaicas que filosóficas e de quem se entrega menos facilmente ao devaneio que às intrigas. Intrigante, não é? E é mesmo.

O nome do livro mudou, caro Armando, mas para mim continuará a ser “Old Parr” (o cavalo e o uísque). Acompanhado por um “18 anos” e um long play do Sinatra, é livro de se aproveitar cada página.

Cheers!

La pesada

Há uns anos eu tinha um certa implicância com Yamandu. Eu achava que o menino virtuose estava além de uma economia no toque e ficava sempre comparando-o (injustamente) a outros violonistas, como, por exemplo, Raphael Rabello e Baden. E, nessa comparação, notava, ou melhor, não notava um elemento nele, de brilho, pelo qual me parecia que às vezes passava batido, o Yamandu.

Lembro que na última vez que Paco de Lucia andou em Porto Alegre coincidiu com uma apresentação de Yamandu e deram um jeito de que o andaluz fosse observar o prodigioso guri de Passo Fundo. Isso foi em 2013, um ano antes de sua morte e Paco foi pessoalmente aos camarins para cumprimentar Yamandu. Teria dito lá, de acordo com registros, que estava diante de “algo completamente diferente, original”.

Era Paco de Lucia elogiando e eu, Lucio Carvalho, com as minhas ressalvas sem pé nem cabimento. Pois é. De vez em quando, não adianta que mesmo uma autoridade incontestável edite uma lei, se a lei não cala.. Ora, Paco de Lucia..

Mas uma coisa que eu nunca tive dificuldade é de dar o braço a torcer. Ao invés de me aferrar na pretensão da certeza, eu cedo basta que seja convencido pelos outros ou, ainda mais usual, convença a mim mesmo de que não estava certo ou de que decaíram as minhas ressalvas. É das poucas coisas que me orgulho em mim mesmo, aliás, essa capacidade, mesmo que as outros pareça “incoerência” ou “capitulação”.

Nesse vídeo abaixo eu acho que entendi o que impressionou Paco ao conhecer Yamandu. Não é pelo que eu achava que ele deveria ter, mas pelo que ele tinha de melhor. No caso de Yamandu, o vigor do ataque da mão direita treinado na música do sul, menos doce e delicada que a do norte, sem dúvida, mas que responde por certo sotaque aos dedos, se é que isso existe. Acho que existe..

Logo no começo do vídeo, se pode ver que Yamandu não apenas aprendeu a silenciar e cadenciar sua potência pelo choro, por incorporar traços da tradição do violão brasileiro ao seu ritmo desembestado, mas ali por volta dos 43 minutos do vídeo é possível ver Yamandu executando uma chacarera, ritmo do norte argentino, e deixando ver que às vezes a delicadeza pode muito bem ser expressa de muitas formas, e que sua platinidade, por outro lado, é o que lhe diferencia em essência e característica.

Ao brilho que no meu juízo faltava a Yamandu, realmente eu não só o encontro hoje com mais naturalidade como vejo muito mais em sua técnica. Vejo que no fundo ele não abriu mão da sua essência, mas ampliou seu universo sem abandonar o seu mundo de dentro. É lá onde está a dinamite intacta da sua potência e certamente foi o que Paco percebeu nele antes de mim. Questão de ouvido. Deve ser..