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5 canções de Nick Drake

Nicholas Rodney Drake (19 de junho de 1948 – 25 de novembro de 1974) foi um cantor e compositor inglês conhecido por suas canções baseadas em violão . Ele não encontrou um grande público durante sua vida, mas seu trabalho gradualmente alcançou maior notoriedade e reconhecimento. Drake estudou na Universidade de Cambridge e lançou seu primeiro álbum, Five Leaves Left , em 1969. Depois, gravou mais dois álbuns – Bryter Layter (1971) e Pink Moon (1972). Nenhum dos dois vendeu mais de 5.000 cópias no lançamento inicial. Não há imagens de vídeo conhecidas do Drake adulto; ele só foi capturado em fotos estáticas e em filmagens caseiras de sua infância. Drake tratava-se de deprssão, o que é refletido em suas letras. Após a conclusão de seu terceiro álbum, Pink Moon de 1972 , ele se retirou das apresentações ao vivo e das gravações, retirando-se para a casa de seus pais na zona rural de Warwickshire . Em 25 de novembro de 1974, Drake morreu de overdose de um antidepressivo prescrito, aos 26 anos. Se sua morte foi um acidente ou suicídio não foi resolvido (com informações da Wikipedia).

Um lugar para ficar

Quando eu era jovem, ainda mais do que agora
Nunca vi a verdade pendurada na porta
E agora estou mais velho, vejo isso em meu rosto
E agora preciso levantar, limpar este lugar

Eu era verde, mais verde que os montes
Onde as flores crescem e o sol ainda brilha
Agora estou mais escuro que o mar mais profundo
Então apenas me aceite, me dê um lugar para ficar

E eu era forte, forte como o sol
E pensei que o veria quando o dia acabasse
Agora estou mais fraco que o azul mais pálido
Oh, tão fraco nessa espera por você

A place to be

When I was young, younger than before
I never saw the truth hanging from the door
And now I’m older, see it face to face
And now I’m older, gotta get up, clean the place

And I was green, greener than the hill
Where flowers grow and the sun shone still
Now I’m darker than the deepest sea
Just hand me down, give me a place to be

And I was strong, strong in the sun
I thought I’d see when day was done
Now I’m weaker than the palest blue
Oh, so weak in this need for you


Roupas de areia

Quem te vestiu com estas roupas de areia?
Quem te levou para tão longe da minha terra?
Quem disse que minhas palavras estavam erradas?
E quem dirá que fiquei muito tempo?

Roupas de areia cobriram seu rosto
Mudaram você, tomando o meu lugar
Então vá em frente, siga até o mar
Algo levou você tão longe de mim.

Voltaram a valer a pena as cores do céu?
Para ver a terra, usa os olhos pintados?
Para olhar através das vidraças sombreadas?
Ver as manchas da grama no inverno?

Agora você pode voltar para o lugar que partiu?
Tente queimar o seu novo nome
Ou com colheres de prata e luz colorida
Você cultuará as luas, nas noites de inverno?

Roupas de areia cobriram seu rosto
Mudaram você, tomando o meu lugar
Então vá em frente, siga até o mar
Algo levou você tão longe de mim.

Clothes of sand

Who has dressed you in strange clothes of sand?
Who has taken you far from my land?
Who has said that my sayings were wrong?
And who will say that I stayed much too long?

Clothes of sand have covered your face
Given you meaning, taken my place
Some make your way on down to sea
Something has taken you so far from me

Does it now seem worth all the color of skies?
To see the earth through painted eyes
To look through panes of shaded glass
See the stains of winter’s grass

Can you now return to from where you came?
Try to burn your changing name
Or with silver spoons and colored light
Will you worship moons in winter’s night?

Clothes of sand have covered your face
Given you meaning taken my place
So make your way on down to the sea
Something has taken you so far from me


O cão de olhos negros

Um cão de olhos negros, ele chamou na minha porta
O cão de olhos negros, ele pediu por mais
Um cão de olhos negros, ele sabia meu nome
Um cão de olhos negros, ele sabia meu nome

Um cão de olhos negros

Eu estou ficando velho e quero ir pra casa
Eu estou ficando velho e não quero saber
Eu estou ficando velho e quero ir pra casa

Um cão de olhos negros chamou na minha porta
Um cão de olhos negros me pediu por mais

Black eyed dog

Black eyed dog he called at my door
The black eyed dog he called for more
A black eyed dog he knew my name
A black eyed dog he knew my name
A black eyed dog
A black eyed dog
I’m growing old and I wanna go home, I’m growing old and I dont wanna know
I’m growing old and I wanna go home
Black eyed dog he called at my door
The black eyed dog he called for more


Sábado de sol

O sol de sábado veio cedo nessa manhã
Num céu tão claro e azul
O sol de sábado veio sem avisar
Então ninguém sabia o que fazer
O sol de sábado trouxe pessoas e rostos
Que não pareciam em seus melhores dias
Mas quando me lembro daquelas pessoas e lugares
Eles eram realmente muito bons no que faziam
Do jeito deles
Hoje o sol de sábado não veio me ver

Pense em histórias com razão de ser
E rimas circulando em sua mente
E pense nas pessoas em seu próprio tempo
Voltando de novo e de novo
E de novo
E de novo
Mas o sol de sábado virou a chuva do domingo

Saturday Sun

Saturday sun came early one morning
In a sky so clear and blue
Saturday sun came without warning
So no-one knew what to do
Saturday sun brought people and faces
That didn’t seem much in their day
But when I remembered those people and places
They were really too good in their way
In their way
In their way
Saturday sun won’t come and see me today

Think about stories with reason and rhyme
Circling through your brain
And think about people in their season and time
Returning again and again
And again
And again
but Saturday sun has turned to Sunday’s rain


O homem do rio

Betty veio por sua conta
Disse que tinha algo para dizer
Sobre as coisas hoje
E as folhas no chão.

Disse que não soube das novidades,
Não teve tempo para escolher
Uma maneira de perder,
Mas ela acredita.

Eu vou ver o homem do rio
E lhe direi tudo o que posso
Sobre os planos
Para a primavera.

Se ele me disser tudo o que sabe
Sobre como o seu rio flui
E como toda a noite ele se mostra
Quando é verão.

Ela disse que hoje rezou
Para o céu soprar para longe
Ou talvez deixar –
Ela não tinha certeza.

E quando pensou na chuva de verão
Chamando por ela mais uma vez
A dor passou
E ficou um pouco mais.

Eu vou até o homem do rio
E contar a ele tudo o que posso
Sobre a proibição
De me sentir livre.

Se ele contar tudo o que sabe
Sobre o modo como o rio flui
Eu não irei supor
Ser para mim.

Oh, como eles vêm e vão.

Riverman

Betty came by on her way
Said she had a word to say
About things today
And fallen leaves.

Said she hadn’t heard the news
Hadn’t had the time to choose
A way to lose
But she believes.

Going to see the river man
Going to tell him all I can
About the plan
For lilac time.

If he tells me all he knows
About the way his river flows
And all night shows
In summertime.

Betty said she prayed today
For the sky to blow away
Or maybe stay
She wasn’t sure.

For when she thought of summer rain
Calling for her mind again
She lost the pain
And stayed for more.

Going to see the river man
Going to tell him all I can
About the ban
On feeling free.

If he tells me all he knows
About the way his river flows
I don’t suppose
It’s meant for me.

Oh, how they come and go
Oh, how they come and go.

Wildcat

Ontem assisti a Wildcat, o documentário que eu havia comentado no outro dia, a respeito da sua trilha sonora. Assisti com um nó na garganta porque filmes, livros ou músicas sobre adolescentes “problemáticos” não me causam outra reação.

Mas eu esperava que no filme o “problemático” fosse apenas Harry, o ex soldado britânico que retorna do Afeganistão com sequelas mentais graves, entre as quais a síndrome de stress pós-traumático e uma depressão profunda, com tentativas de suicídio. Porém a pesquisadora que ele encontra na profunda Amazônia peruana, Samantha, não é menos traumatizada. Ela, no caso, pelo convívio com um pai alcoolista e violento que a fez desde criança preferir o convívio com os animais aos adultos humanoides.

Pode parecer uma estranheza – ou não – encontrar dois adolescentes abdicando da vida social no que é o momento de seu apogeu para viver em um território inóspito e com vida selvagem real, cercados de feras e criaturas humanas mais ameaçadoras que as próprias feras, e que partilham do mesmo território apenas para conquistá-lo e depredá-lo.

Na prática, o filme aborda um processo de reabilitação dos mais complicados. Ao mesmo tempo, Harry trabalha na readaptação à vida selvagem de uma jaguatirica e na sua própria reabilitação emocional. Como num documentário não cabem escapismos à fantasia, o que se pode ver é que o processo está longe de ser uma jornada de superação. Muito mais se vê da tensão absurda que a depressão deita às costas e reserva à mente de um jovem com vinte anos de idade.

Depois de assisti-lo, não me espanta saber a reação emocional que sua exibição tem causado mundo afora. Ao unir dois universos sensíveis, adolescência e relação homem x natureza, sabe-se como a jaguatirica se reintegra ao mundo da floresta, mas permanece a dúvida quanto a adaptação do ser humano. Àqueles que pensam que viver entre feras é experiência terrível, o filme é instrutivo do quão desestruturante pode ser a vida entre os homens.

Inclusão em pauta (3ª ed.)

Nos últimos dias, estive revisando (e revisitando) os textos e trabalhos que, no longínquo 2015, resultaram na edição de um e-book e depois de um livro impresso no qual procurei registrar e conservar um trabalho de quase 10 anos que realizei com muitos amigos e parceiros do movimento social pela inclusão da pessoa com deficiência.

É meu livro de militância e tenho um carinho muito especial pelo que vai nele.

Seria muito normal, talvez, que eu me arrependesse de qualquer coisa (ou muita coisa) escrita há mais de uma década ou desejasse editar o conteúdo publicado no portal e revista Inclusive, além de artigos e ensaios publicados em diversas outras mídias.

Para a minha felicidade, não quero. Nem me parece que o livro precise de uma edição ou maquiagem para se mostrar vívido.

A Inclusive foi um projeto que muito me orgulhou editar com a minha amiga Patricia Almeida e a colaboração de dezenas de pessoas, entre profissionais e ativistas do movimento social das pessoas com deficiência. São pessoas de quem hoje não estou mais tão próximo, mas de quem nunca me sinto afastado.

A sensação, se consigo mesmo interpretá-la, é de que o conjunto de ideias políticas e culturais em torno da inclusão vive uma estagnação nos últimos anos e o esforço necessário ao aperfeiçoamento de políticas públicas e educacionais não será pequeno a partir de agora. Certamente será ainda mais complexo e por essa razão é preciso transformar a apoplexia em oportunidade. Esse é o tamanho do desafio em vista e não se refere apenas ao Estado, mas na forma com que a sociedade encontra para se relacionar com sua força sempre avassaladora.

Que os desafios continuem os mesmos ou tenham se aprofundado, isso me fez rever esse trabalho em outro momento e circunstância da minha vida e do meu interesse na temática. Em sua 3ª edição, o livro “Inclusão em pauta” continua sem fins lucrativos agora poderá ser acessado e consultado integralmente por meio do Google Books, sem custo, como forma de constituir um ponto de encontro de muitas reflexões ao que me parece agora ainda mais necessárias.

Follow the link: https://play.google.com/store/books/details?id=kbafEAAAQBAJ&pli=1

Fica na tua

Nem imagino quem lembraria de um antigo best-seller dos anos 70: “O maior vendedor do mundo”. Nunca li, mas também nunca esqueci da capa com o título e o nome do autor, um certo Og Mandino ornada com louros, como um César romano. Não sei nem de que trata o livro, mas tenho certeza de que sou a sua antítese. Sou realmente o pior vendedor do mundo. Não tenho ilusões de melhorar isso e não sei como, aliás, pessoa como eu se atreve ainda a fazer coisas que possam ser vendidas, como livros.

Todavia, dito isso, mesmo assim.. contando com a inestimável ajuda do Cláudio B. Carlos e do Angel Cabeza, da Saraquá edições, hoje partiram pra gráfica os originais de uma pequena tiragem de um romance que comecei a escrever há uns anos e finalmente neste ano dei por concluído, depois de várias releituras e revisões. Filhote com 6 anos de idade já.

Da releitura, surgiu a vontade de rebatizar a história. Rebatizar com o título que primeiro pensei para ela e que, numa edição limitada preliminar foi preterido por outro, um certo “Trapézio” que circulou timidamente entre alguns leitores e pessoas que aceitaram recebê-lo por delicadeza mesmo.

Família e amigos agora me advertem que o titulo – agora definitivo – poderia trazer uma expressão “datada” e/ou regional demais. Eu concordo com isso, mas acontece que o livro é realmente datado nos atropelados anos 80 e guarda muito da vida disponível naqueles tempos. Pelo menos é o que eu espero que ele transmita. Então – sem traumas – este é mesmo o único título que ele deveria sempre ter tido: um livro que, apesar disso, é bem livre de sotaques e gírias, salvo aquelas que se incorporaram ao modo de falar dos gaúchos da capital e do interior.

A história não mudou muito, à exceção de alguns ajustes temporais e esclarecimentos, mas o livro ficou mesmo muito melhor agora. Depois de ter passado pelas competentes mãos do pessoal da Saraquá e de completar-se com o tratamento visual igualmente inestimável do meu amigo Vinícius da Silva, eu diria que ficou como sempre deveria ter sido. Um livro que extrapola um pouco a dimensão do texto por sinestésico e pelas camadas de tempo pelas quais viaja.

Editora sediada em Cachoeira do Sul, a Saraquá e o Claudio sempre me impressionaram muito com a qualidade das suas edições e eu posso dizer com tranquilidade que não haveria melhor casa para o “FNT”. Além disso, me agrada muito ser coerente com a ideia de valorizar o trabalho hercúleo de quem produz e edita literatura desde o interior brasileiro. Então, o que eu sinto é um tanto de orgulho e respeito por que o romance “renasça” agora definitivamente nessa casa.

Mas bem, como eu disse, a tiragem é realmente pequena e eu penso em esgotá-la ao fim desse processo, quer dizer, não pretendo fazer estoques e ficar vendendo nas redes. Dessa forma, todos os livros que não forem resgatados desse “sequestro” eu pretendo destinar a divulgadores literários e bibliotecas, vencido o prazo do aceitável. E também assumo o compromisso de oferecer a todos que compraram o antigo “Trapézio” um exemplar sem custo dessa edição rebatizada, basta que entrem em contato comigo. No mais, vou procurar comercializá-lo com a ajuda de algumas livrarias tb, algo que agora que começo a ver. E a divulgá-lo mais tb.

Nesse tempo, também poderá ser comprado comigo e criei um site com essa finalidade, além de mostrar assim um tanto do livro. Entre outras coisas, como o texto da orelha que explica a escolha do título, ali também estará a playlist da “contracapa” com os discos e músicas mencionados ao longo do livro que, como qualquer história dos 80, só pode ser mesmo muito musical.

Aqui o endereço do site:
https://ficanatua.com/

Importante dizer também que não se trata de uma pré-venda sem prazo nem horizonte. O livro já está na gráfica e quem comprar até o final do mês eu estou fazendo um valor que é quase de custo + frete. Mais próximo ao fim do mês ou no comecinho de outubro eu já começo a enviá-los, com a minha caligrafia paleográfica.

Eu ainda não entendi direito como vai ser a Feira do Livro neste ano, se apenas as associadas à Câmara do Livro terão espaço para lançamentos. Eu vou tentar agendar lá também, nem que seja pra tirar foto de máscara com quem se interessar em me rever (ou ver pela primeira vez em carne e osso). Se não der, paciência. Virão outras feiras e, a depender, novos livros. A live é outra questão em aberto. Agora, parece que sem live não houve lançamento. Então estou pensando, sim, mais seriamente, agora que arranjei quem colabore com a função toda. Mas a ver. Quando e se confirmar, aviso e prometo uma conversa anárquica, como são as boas conversas.

Enquanto uns vendem terrenos no mar, garrafas cheias de ar até a boca e promessas vagas, eu acho que vou indo bem. Aprendendo ainda. Penso que talvez o velho Og Mandino não me reprovasse completamente..

Morphopolis

Já se passou uma década desde que comecei a escrever essa história e até hoje não consigo dizer ao certo do que se trata. Às vezes, me parece claramente uma história infanto-juvenil. Noutras, parece um pouco além do que hoje se propõe como literatura infanto-juvenil e que está mais para uma novela que flerta com o sci-fi. Mas um sci-fi com os pés no chão, sem fantasia, realista mesmo. Desde o começo eu desejava que fosse uma aventura hacker e também a primeira parte de uma história de amor.

Se tudo der certo, é por aí que vai continuar e futuramente vai unir ainda mais o destino desses dois adolescentes que se encontraram no mundo dos games e decidiram lutar contra o status quo disfuncional familiar (e político) de um maneira nada convencional.

Morphopolis é o mais antigo “work in progress” que eu mantinha nas minhas gavetas. Nasceu como um blogue de experimentação em 2009, virou por um tempo um projeto de um livro e agora voltou a ser um site. Um livro num site ou um site num formato de livro. Algo assim.

Por muito tempo, era uma história de experimentos mesmo. Há uma década, pouco se imaginava do que aconteceria com as novas redes sociais e o fenômeno dos massive online games. Na minha história, tudo é uma coisa só e sem muitas explicações se transita do real ao virtual, alterando um e outro de onde quer que se esteja. De alguma maneira, Morphopolis é hoje mais atual do que quando foi escrito.

Nesse ano de 2021 eu tinha me prometido que o tiraria das “gavetas” e o revisaria pela última vez. Depois disso, conheci os desenhos do Vinicius Silva e achei que tinham muito a ver com o astral da história. O Vinicius fez algumas ilustrações baseado no que leu e depois foi decidir como publicar, se num livro e suas burocracias ou de volta à internet, origem da história toda. Bem, a história na íntegra (sua Parte 1) está publicada no site abaixo, no qual também se pode adquirir por e-book. Na verdade, o e-book eu fiz apenas para ter um registro de autoria, porque a diagramação e leitura no site são muito superiores ao que é possível no Kindle.

Também estou querendo incluir algumas coisas mais multimídia no site, mas ainda por ver de que formas. Apesar do realismo, Morphopolis é uma novela bem truncada e com muitos personagens. Não é lá muito uma leitura linear, ainda mais que eu decidi me valer de vários pontos de vista. Bom, eu escrevi sem me preocupar com o leitor, que é como se recomenda. Se ficou fácil ou agradável (ou o contrário disso) já não me cabe fazer mais nada. Em breve (daqui há dez anos mais), a segunda parte das aventuras de nossa heroína cadeirante.

Conheça em: https://morphopolis.media/

Anotação

Porque escrevo a respeito dos outros, parece que posso entendê-los. Não é verdade isso. Tudo é apenas uma tentativa e tenho certeza que errei em interpretação muitas vezes. Escrever a respeito da poesia de alguém é altamente arriscado porque é um encontro entre duas vontades: o desejo expressivo e o receptivo.

Não é diferente de quando alguém liga o rádio para escutar uma música ou seleciona uma faixa de um músico que nunca escutou antes. A não ser entre os mais previsíveis, a poesia é como uma composição que não se tem ideia de como vai se desenvolver ou concluir. Talvez as formas fixas permitam que o leitor anteveja o impacto sensível de um soneto ou a cadência de um ritmo exato, mas a poesia que usa de versos livres é mais ou menos como o jazz – exige uma atenção ainda maior para que se a compreenda em sua harmonia e centralidade.

Eu sei muito bem que não são pareáveis, música e poesia, mas, em muitos aspectos, são sim. Qualquer pessoa que tente tocar um instrumento sabe o quão podem ser complicadas as soluções de uma harmonia, o quão pode ser estranho um motivo, o quão incompleta e parcial a expressão de uma ideia. Já na literatura, esta simultaneidade está definitivamente impedida.

Como acontece ao poeta de não saber o que fazer das palavras, ao saxofonista acontece algo parecido. Ele atravessa a harmonia, assopra sem tocar, a nota sai pela metade e completa a melodia inaudita, que só alguns podem escutar. Com a poesia dá-se mais ou menos o mesmo. É uma revelação feita pelo leitor. Melhor se completada por ele.

Por mais que um poeta diga, pincele, esculpa, burile, se ele diz tudo, o leitor se enfara, sente-se inútil, resta-lhe apenas a admiração sem êxtase. O êxtase é compartilhar dos silêncios, do entrevisto, do sugerido. É o arrebatamento que se compartilha instantaneamente. Nesse aspecto, o músico é muito mais feliz que o poeta, pois ele pode experimentar isso ao vivo. O poeta, não. É de um efeito retardado, a posteriori, que ele obtém o efeito estético. Daí que provavelmente a poesia sempre traga consigo uma melancolia (mesmo a mais feliz e coloquial), que é do poeta estar sozinho naquele instante, consigo mesmo e numa distância total para com quem quer que seja.

Por isso, o que se pede muitas vezes aos poetas é que deixem um mísero espaço ao leitor, para que este possa imaginar-se, consolar-se naquele mesmo desconsolo, esquecer-se nos vazios subitamente interrompidos.

É claro que há também poetas romancistas, prosaicos, como um Duke Ellington, Cole Porter, Beethoven, Mozart, Brahms.. Sinfônicos, grandiosos e épicos, claro que há, mas não são de deixar resíduos, compartilham pouco, temem mostrar um pouco da carne e, por essa razão, parecem madeira, gesso, ou etéreos demais.

Sua obra não é de silêncios e nem os comporta, mas do vazio estrondoso que deixam em seu lugar. O vazio do assombro e também da estupefação.

E há ainda os poetas palestrantes que pensam na sua metapoesia como essência de linguagem, num delírio narcisista. Na música, seriam como aqueles músicos a quem a banda dá uma palhinha e o sujeito nunca mais para de solar, convicto de que chegará aos céus sozinho. Não raro, por mais talentosos que sejam, acabam tragicamente chegando mesmo.. Exemplos formidáveis não faltam.

Sinto muita compaixão pelos poetas. Parecem(os) criaturas um pouco desesperadas, às vezes, mas é uma projeção indevida. No mais das vezes, bem como os saxofonistas, fazem um voo solo sem nem saber quando ou onde aterrissar. Pois é esse momento do voo, que ninguém vê e não é espetacular, que os poetas desejariam (em vão) compartilhar.

A flauta de Sepé

José Tyarayu.

O índio que bateu-se contra gauchos e portugueses, sendo mais tarde adotado por sua tradição.

Não suficientemente português. Não o bastante espanhol. Assassinado por ambos.

Não comunista que clamasse ser o “dono” das terras, mas independente.

O santo cuja graça mal se alcança, pois sequer compreende-se o que ele oferta.

O herói que morreu protegendo a vanguarda dos índios em fuga.

O vilão das tribos inimigas charruas, minuanos, arachanes, insubordinadas para sempre.

O índio e os violinos improváveis, e seus livros em grego e latim.

Chaga aberta do Ocidente na memória da América Latina. Uma de tantas.

O personagem padrinho daquele Pedro Missioneiro.

O tio de tantos piás. Seu ídolo e exemplo

José, cujo nome é tão comum quanto uma folha de sepé.

Intrépido e temerário, jogando o peito nu de encontro aos bacamartes.

E no escuro da noite, um gemido de flauta e o lunar tremeluzente, por entre as nuvens e o tempo.

A crise da representação rural na literatura rio-grandense

Depois de uns meses nas mãos do pessoal da editora Fi, ficou pronta a edição do livreto que deverá muito provavelmente constituir o máximo da minha vida acadêmica. O trabalho é resultado do curso de especialização em Literatura Brasileira que cursei na UFRGS no ano passado e, como nasceu bem robusto para o que se propunha, acabou propiciando-se a edição em livro (acesse por aqui).

Com as doses de generosidade dos professores que o orientaram e examinaram, ele cresceu ainda um pouco mais após a conclusão do curso a ponto de parar em pé como um livreto, opúsculo, seja lá como se chame uma publicação assim, de mais ou menos 80 páginas. Eu digo que será o máximo porque não me passa me dedicar novamente ao estudo sistemático, mas ficar com o diletantismo mesmo, que é mais do meu feitio e proporção.

Em linhas muito gerais, o trabalho pretendia verificar a forma pela qual os romancistas gaúchos do séc. XX lidaram com as condições materiais da vida rural na região da Campanha gaúcha. Se contribuíram para a formação de um imaginário mais realista (ou ufanista) e o que entregaram ao campo literário recente.

O ensaio recupera um pouco a história literária do séc. XIX para logo encontrar os marcos representados no trabalho de Simões Lopes Neto, Alcides Maya, a geração de 30 (Ivan Pedro de Martins, Cyro Martins, Pedro Wayne) e os posteriores Aureliano de Figueiredo Pinto, Érico Veríssimo e Barbosa Lessa.

É uma mirada meio ocêanica, panorâmica, mas cujo objetivo é também procurar problematizar a forma pela qual o meio literário deu prosseguimento a essa tradição e o impasse que quanto a ela recaiu após o fenômeno tradicionalista, a expansão modernizadora via meios de comunicação e o recalque temático ao conteúdo histórico. O livro não é lá tão grande, mas rendeu bastante trabalho.

Para quem se interessa pela temática ou tem curiosidade em saber mais, a editora Fi realiza um trabalho de acesso aberto de edição de trabalhos acadêmicos, ou seja, a versão digital do livro não tem custo e pode ser obtida livremente por download. Quem desejar, também pode encomendar no próprio site da editora exemplares impressos. Eu vou fazer alguns poucos para mim e para alguns amigos, mas não terei para venda. Quem considerar necessário, pode valer-se dos serviços on-demand da editora.

Querência

Aquelas botas velhas no fundo do galpão, tu trazes dali pra mim?, indago ao gurizinho ao meu lado. Irrequieto como todos da sua idade, ele me olha como se indagasse: mas pra que serve isso, tão velho e furado e rasgado e estropiado?

Pega dali, por favor, que não posso mais me agachar a tanto.

E revirou as tralhas do galpão até alcançar aonde eu apontava. Tinha muita coisa sobre a caixa de madeira esbodegada da qual podíamos adivinhar pedaços e tentos de couro torcidos do uso, encardidos de barro, do esterco das vacas, do tempo, de tudo… Ele não descansou até consegui-lo e me alcançou, de dentro de um saco plástico de sal, o par de botas que havia sido do pai e que ele, um dia, consentiu em que as calçasse nos pés.

* * *

Guri da cidade, eu ia para a campanha com a mesma roupa com que vivia. Usava tênis, jeans, camisetas e quando um muito um boné, no verão, pra proteger a cabeça do solaço e, sem o qual, a mãe não permitia que eu saísse porta afora. No entanto, ao chegar lá, não mudava de traje como o meu pai. Eu simplesmente não tinha um traje “típico” com que montar a cavalo e camperear. Os filhos dos peões andavam muito melhor trajados que eu, pelo menos eu assim pensava pelas bombachas que usavam, ainda que usassem nos pés chinelos de borracha ou alpargatas gastas e furadas até quase a miséria. Na cabeça, ao invés dos bonés trazidos da cidade, tinham chapéus de feltro e barbicacho. E nas costas, mal atravessada, a faca.

Por sua vez, os adultos trajavam sempre a indumentária completa. Desde o chapéu na cabeça até a roseta da espora, pareciam pessoas de outro tempo transplantadas num transe imediato. Como se, de repente, estivessem prontos para um serviço de dias, de tropa. Ou de guerra. Mas, é claro, não era como filmado no estúdio e transmitido pela televisão. As bombachas eram sempre machucadas por remendos, mas o cinturão ou guaiaca impunham um respeito que me amedrontava um pouco, sim, quando guri.

Quando já encilhados partiam, os mangos pendiam dos pulsos e os laços, como conchas, se esparramavam no lombo dos matungos. No verão, uma camisa folgada para passar a brisa; no frio do inverno, uma japona ou um poncho tramado em lã colorida, um bichará.

* * *

Já eu, fosse inverno, verão, outono ou primavera, o traje era o mesmo que trazia de casa, da cidade. E embora provasse as botas abandonadas por velhas no galpão, nenhuma me servia adequadamente. Não por isso, fazia o que precisava do modo que estava e nem imaginava sugerir ao pai que “ganhasse” uma bombacha de serviço. Antes disso, de acordo com ele, mesmo eu, seu filho, precisava ter querência.

Pois essa complicação de nome eu mal entendia o que podia ser, mas era certo que todos tinham ali exceto eu. Porque uma coisa é estar num lugar e outra, bem diferente, é ser dali.

Não bastava eu querer, mas precisava viver aqueles morros, elevadas, sangas brabas, lodaçais, entender caminhos, conhecer de olho, à distância, o nome de cada um daqueles animais. E ser imperceptível aos demais, por seu igual.

Nessas condições, muitos anos depois da minha infância, as botas serviram e eu, então, pude usá-las. Já não sentia que isso fizesse diferença – e não fazia. Quando olhava para trás, na hora de voltar ao povo, sentia que tinha um lugar ali por mais duras que fossem as camas de crina, os mochinhos do galpão e principalmente o lombo do tostado.

E é desde esse dia, amigo e amiga, que a gente entende que nunca mais sai de lá por completo.

* * *

De acordo com o Oxford Dictionary, “querência” é termo usado nas zonas rurais de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, além do Rio Grande do Sul. Significa o “lugar onde o animal foi criado ou onde se acostumou a pastar, e para o qual volta, por instinto, se dali for afastado.”

No Burrinho Pedrês, Guimarães Rosa cita o termo conforme segue:

“As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão …”