Domingo à noitinha, quase beiradinha do finalzinho do dia mais melancólico da semana, acho que respondendo a um quiz ou teste no celular, minha filha me embretou numa pergunta das mais complicadas: “Qual foi o momento mais feliz da tua vida?”, perguntou assim, à queima roupa.
É o quê? Deus, mas que pergunta pra pegar a gente desavisado..
De imediato me ocorreu o óbvio, que seria usar de demagogia e encerrar o assunto dizendo que foi o do nascimento dela. Contive-me antes de lançar a mentira, porque o dia em que nasceu seu irmão foi igualmente feliz, sem diferença de escala, sem melhor nem pior. Pensei então que poderia ter sido o dia em que encontrei a sua mãe, quem me propiciou ambos os momentos. E, por extensão, fui pensando que os momentos felizes da vida são aqueles em que a gente se encontra com a experiência amorosa. E que são coisas quase sinônimas, não são? Talvez sejam. Idealmente seriam, é o que se acalenta por aí.
Mas então olhei fixamente pro nada, naquela vertigem em que o passado se desdobra na memória, e então percebi com mais nitidez a imagem e a resposta que pra mim faziam mais sentido: dei num entresono muito antigo, muito remoto, no qual acho que me encontrava febril (ainda que possa ser estranho estar febril e feliz ao mesmo tempo), sem idade certa, mas certamente criança, convalescente, quase dormindo na cama dos meus pais enquanto eles conversam bem baixinho qualquer coisa e eu apenas distinguia o rumor das palavras, mas nada do seu sentido.
Na verdade, não sei dizer se aquele instante de semi vigília foi ou não o momento mais feliz da minha vida, mas ali eu me contentava tanto com a sensação sem necessidade nenhuma de explicação ou compreensão e essa sensação mamífera, comum à natureza, mas estranha, muito estranha à racionalidade e razoabilidade adultas, acho que foi o que me definiu, in vivo, pela primeira vez o estado.
Depois pensei que o mais certo talvez fosse lançar mão de uma vulgarização da relatividade, teoria que acomoda tudo e todos, cada um de acordo com suas referências. Cada um, afinal, experimenta a felicidade como pode. Desde o jardineiro ao cocainômano, desde o compositor de sinfonias ao psicopata. Cada qual vai saciar sua busca por prazer como consegue, ainda que isso extravase muitas vezes o pacto social. Pessoas mais racionais, matemáticas, talvez sejam mais exigentes quanto à felicidade que aquelas mais simples e que pensam com mais simplicidade e aleatoriedade. Isso demonstra muita coisa, menos que exista um modo certo e uma explicação para, por exemplo, existir colunas de auto-ajuda no El Pais Brasil, jornal com o qual implico.
Pra mim, a coisa toda se parece mais a um estado físico, orgânico e biológico. Mais ou menos o oposto da angústia, que se define quase sempre por um aperto no peito. O estado de felicidade eu defino, pelo contrário, como uma sensação de expansão toráxica. No fundo, é como o contraste às más sensações, bem como Freud queria, mas aí já racionalizando a sensação.. E também existe a felicidade intelectual, do esclarecimento, dos insights nos quais tudo se esclarece e pode ser entendido. E também a felicidade da criação, que muitos artistas definem como a um estalo da intuição, ou inspiração.
Seja como for, eu ainda acho que o estado infantil, de despreocupação total, é o mais duradouro dos estados de felicidade. Dura mais ou menos o quanto não seja necessário pensar a seu respeito. E, por indefinível, a gente mal o perceba, mas guarde a sensação como uma experiência, memória e comparativo.
Claramente esse texto é um mix aleatório de parágrafos plagiados da Monja Coen, do Pe. Fabio de Melo, Rubem Alves, et al., com os devidos créditos.