Com o tempo branqueando em definitivo o que restou de minha cabeleira, vou concordando cada vez mais com Guimarães Rosa, que disse literalmente que “um autor jamais deveria falar de outros autores, mesmo que não os aprecie. Disto não resulta nada de razoável; penetra-se em mundos estranhos, e isto não conduz a nada.” Bem se vê que o escritor de Cordisburgo tentou sempre conservar a elegância interiorana, que reside praticamente toda no recato e na prudência.
Eu já cometi o deslize do elogio, mas agora o evito como o diabo foge da cruz. Nem por isso assumo o outro lado da moeda, de quem vive a perseguir a falha alheia, e apontá-la como um facho de luz em noites de lua nova, em público e tampouco em privado. Não faço isso porque sei dos meus muitos erros e fraquezas e já experimentei infelizmente o ruído do meu próprio telhado de vidro se espatifando. Não digo que seja a pior coisa do mundo (a autocrítica é muito pior), mas é, dos aprendizados, um dos mais desagradáveis.
Por essa razão, ainda como Guimarães Rosa, não acho mais possível falar da literatura dos contemporâneos. Melhor e menos comprometedor falar dos que já morreram e o tempo não pode dissolver. Ou então, como tenho tentado fazer, falar apenas de tendências ou de livros de não-ficção, ainda que custe estudá-los, mas, por isso mesmo, o que se pode revelar mais proveitoso.
Por agora, a se confirmar a tendência de uma literatura cada vez mais politizada, engajada, comprometida com ideias políticas, o terreno dos comentadores de livros (onde me insiro, lances de escada abaixo dos verdadeiros críticos) vai ficando cada vez mais movediço. Eu, pelo menos, assumo meus problemas com isso tudo.
O que eu quero dizer é que o meu problema com a literatura politizada, engajada, identitária e etc. é que, a meu ver, ela coloca um xeque-mate de partida a qualquer olhar crítico. Ou seja, ela não se coloca em jogo, mas confunde-se completamente em autoria, enredo e estilo. Essa opção autoral (que não questiono) torna impossível dissociar efeito formal e efeito político, mesmo que não signifique que seja a única ou a forma por excelência de abordar questões políticas na literatura.
Quer dizer: é impossível segmentar o olhar em direção ao objeto porque então o leitor ou se vê no impasse de comprar o livro como um pacote, ou parece escamotear uma interpretação política quando poderia (ou até deveria) ser apenas formal. Essa é a faca de dois gumes da literatura politizada e eu, embora sinta vontade de comentar bons livros que tenho lido nessa linha, penso que, sendo assim, é melhor evitá-lo. Apenas lamento que a crítica então se resuma a uma que só possa ser feita ao apanágio da simpatia ideológica (como equivalentes a likes das redes sociais, mas talvez seja essa espécie a única crítica literária possível), ou outra toda reunida na pecha de reacionária.
Se então foi-se mesmo o tempo em que se podia compreender a ficção como ficção, poesia como poesia, religião como religião, filosofia como filosofia e assim por diante, não é que os livros estão deixando de ser impressos em papel, mas gravados em vidro polido e repolido e repolido e assim por diante também. Bem dizia Rosa, é bem melhor falar de Flaubert, Dostoievski, Tolstoi ou dele mesmo e outros que já não são de vidro, mas de bronze mesmo. Pelo menos assim não resta dúvida de que não se vão quebrar.