Por suas raríssimas aparições na mídia brasileira, é possível que poucas pessoas tenham sabido que, no último dia 25 de outubro, o cantor folk, poeta, artista plástico e compositor Keaton Henson lançou o sétimo álbum da sua resguardada carreira. Talvez seus seguidores brasileiros nas redes sociais tenham sabido, mas tampouco isso é suficiente para que seu nome se diferencie no limbo que a depauperada mídia musical nacional vem colocando compositores que não sabe classificar ou entender, porque habituada e constrangida sempre aos mesmos estilos, às mesmas pegadas, aos mesmos nomes, tudo o mesmo de sempre, como um moto-contínuo inescapável.
Com seu novo disco, Six lethargies, Keaton confirma o que se supunha desde 2014, quando lançou Romantic works: trata-se de alguém que sabe se expressar muito bem também na ausência de palavras. Acompanhado pela The Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, Keaton vinha lançando amostras do seu mais recente trabalho em suas redes sociais, em gravações ao vivo. No Facebook, vídeos nos quais ele trabalhava suas composições ou as ensaiava foram vistos por milhares de pessoas. No trabalho a ansiedade se desfaz, segundo ele diz.
Keaton não vive dando as caras por aí. Longe disso. Se artistas “reclusos” vivem dando sopa na internet, ele parece fazer questão de dosar suas aparições. A explicação para o comportamento é sua agorafobia e dificuldade de exposição pública. Também suas repetitivas crises de ansiedade e pânico paralisantes, letárgicas. Daí, aliás, o título de seu trabalho sinfônico.
Este novo disco de Keaton não traz seu canto lamentoso nem as queixas de amor de Dear ou Five years. Sua matéria agora são transcriações que ele desejou fazer de seus estados mentais. Keaton não escreve ou lê a linguagem musical das partituras, é um compositor intuitivo cuja criação se inicia com a elaboração de mapas mentais ilustrados que mais tarde ele transforma em música. Ao longo dos três anos que usou para a elaboração de Six lethargies, Keaton afastou-se dos motivos folk e enveredou para uma música baseada em experiências neurocientíficas. Sua busca é, segundo ele mesmo diz, por “tentar comunicar algo mais complexo e abstrato, explorando a ansiedade, a depressão e a ausência de sentimentos”.
Não é que essa intenção seja uma novidade, afinal, mais do que as outras expressões artísticas, a música é capaz de reproduzir os sentimentos e sensações humanas que são essencialmente abstratos, indescritíveis. Compositores que em outros tempos e circunstâncias procuraram criar para causar emoções por sinal fazem quase a regra. Por outro lado, Keaton busca nas emoções a fonte direta para a criação e acredita que sua expressão pode contribuir na geração de empatia para com as questões que envolvem sofrimento mental. Para ele, “a música é uma ferramenta poderosa para criar empatia e comunicar sentimentos incrivelmente complexos de uma maneira que qualquer pessoa possa entender, sem nenhuma explicação”.
Se o resultado de seu trabalho remete muito ao minimalismo de Philip Glass, aos devaneios experimentais de Ólafur Arnalds ou ao neobarroco de Max Richter, Keaton é um músico de expressividade poderosa que a cada novo registro imprime um passo a mais no sentido de afirmar-se como um artista completo. Para ele, nada importa que se saiba de sua vida pessoal e é mais um a defender que um artista deve responder apenas a partir de sua obra. Seja como poeta, como pintor, cantor ou compositor, nunca se pode saber aonde o inglês recluso pode chegar, mas certo é que muitas vezes ele responde à música desde a poesia. Mas nada embaralha mais os sentidos de quem o escuta que a sinceridade de sua expressão.