Muitas vezes eu me pergunto se é necessário que se goste de um livro para que ele seja bom. Ele não pode ser bom independentemente de que se goste dos seus elementos centrais: enredo, personagens, desfecho?
Eu acho que sim. E também que há muitas razões para que o juízo de um leitor estabeleça esse critério mais que particular, inalienável. Não é preciso ser empirista, mas, no apogeu da crítica baseada em ícones (likes e loves), admirar um livro de que não se gosta pode ser, além de tudo, indício de maturidade intelectual. É o que falta cada vez mais às pessoas e sua adolescência prorrogada na qual o narcisismo e o hedonismo são imperativos.
Há poucos dias terminei de ler o (último?) livro que o Cassionei Niches Petry escreveu. Vai ser muito difícil para que ele angarie avaliação positiva nas críticas baseadas em ícones com um livro como o seu Relatos póstumas de um suicida.
É um livro que reúne várias características que o tornam refratário a uma classificação do tipo “amei”. A saber: é uma narrativa amargurada de um personagem em crise moral e criativa vivendo num tópos dos mais áridos que pode existir na contemporaneidade: a vida escolar no ambiente educacional (me parece que o livro todo pode muito bem ser lido como uma metáfora do estado caótico desse ambiente). O protagonista é pouquíssimo convidativo, quase espinhoso e não refreia pulsões mais instintivas da irracionalidade humana. A narrativa breve não impede uma quebra total da expectativa de linearidade, ou seja, é uma novela que não pensa em entregar nada. O leitor que lute. E é pessimista também em vários aspectos sociais e culturais.
Quem é que vai gostar de um livro desses? Ora, as pessoas buscam cada vez mais histórias que redimam e garantam a priori suas convicções. Ponto. Pouquíssimos leitores estão dispostos a dar de cara com situações desagradáveis. Foi-se o tempo de leitores habituados ao realismo mais cru. Pede-se escapismos de todo o tipo. Escapismos do real. Mesmo nas distopias mais áridas, as alegorias são leves, remotas, suportáveis. Eu quero ver é encarar a tepidez da sala dos professores. O bullying sistemático que vem como tempero às relações forjadas nas redes sociais.
Se eu dissesse que “amei” o livro do Cassionei eu estaria mentindo. Complicado apreciar aquele conflito todo. Mas posso dizer seguramente que amei não amar. É um livro imprevisível, muito diferente de certa idealização que permeia o mundo social brasileiro de hoje, no qual o sujeito heroico é invariavelmente um triunfante moral. Mas na ficção cabe tudo ou, pelo menos, deveria caber. E é bom sobretudo para os leitores que abram suas prateleiras para livros que não se encaixam rapidamente no “desejável”, no “correto” e suas derivações identitárias.
É meio estranho dizer, eu sei, mas urge gostar do que não se gosta. Para o bem da compreensão que a literatura pode fornecer às pessoas, nem que seja por meio dos livros. Pode não ter tantos “ameis”, mas é muito mais parecido com a vida.
Relatos póstumos de um suicida
de Cassionei Niches Petry, (publicação da Class, 2020).