A grande covardia destes tempos bem aventurados, a mais intolerável delas, na minha opinião, é a psicofobia. O mundo está mindfulness demais para a minha cabeça. E os próprios estados mentais são muito mais evitados do que qualquer outro preconceito exterior.
É tal a obsessão pela produtividade que o ócio banal foi abolido e o próprio lazer agora é computado em perdas e ganhos. Fulano viu quantas séries, Sicrano leu quantos livros, Beltrano ouviu quantas músicas, foi a quantos shows, foi a quantos carnavais na Bahia, testemunhou quantos defuntos célebres. É um modo de vida computacional no qual não se pode perder tempo com o que não seja coincidente a um estado mental onipresente, na realidade impossível. Mas não importa. Importa mesmo é viver com uma margem de lucro emocional diante ao tempo, aos demais e à própria vida.
É tamanha a psicofobia que sentimentos normais do ser humano de repente foram debulhados em características “tóxicas” ou “desejáveis”. Desejável é a euforia. Tóxica a depressão. Mas é delirante a possibilidade de surfar impunemente nos estados emocionais. Drogue-se disso, medite-se aquilo, beba-se, compre-se, viaje-se, alivie-se num sistema infindável de compensações e sublimações.
Não sou psicanalista, mas é evidente que as pessoas precisam e têm direito a ter momentos de melancolia. Mas justamente porque a tristeza e a melancolia são estados aparentemente não compartilháveis da existência, solitários, debita-se a elas a noção de negatividade. E no mundo virtual isso fica ainda mais agravado, pois aqui o que se evidencia é o triunfo e, como se uma superfície lisa livre de rugosidades e asperezas, a alienação de um para o seu semelhante.
A positividade é tanta que o luto foi abolido, inclusive o luto social. Não há perdas. Não há frustrações. Não há nem deficiências. A diversidade mesma, que deveria ser um valor da diferença, acaba forjada como um lustro de despersonalização. De equalização bionormativa. E esse vocabulário todo cada vez mais faz parte de um idioma indesejável do qual o saudável é manter distância regular com o salutar e carnavalesco hábito da euforia. O que poderia ser mais melancólico?
Nem a pandemia e a notícia de tantas mortes é capaz de levar a pensar que essa película de resistência é muito mais porosa e permeável. E de que somos humanos e devemos responder ao mundo do lugar da humanidade já é coisa do passado. Mesmo a dor é rentável como simulacro e a positividade – apesar de que ninguém vá admitir isso jamais – sim é que se transformou numa doença cuja solução passa, infeliz e fatalmente, pela melancolia.
Às vezes o que me parece é que vivemos (brasileiros) já em cuidados paliativos há muito tempo. E há mais tempo ainda os brasileiros inspiram cuidados. Mas quem se importa? Nem nós mesmos…
Ou já estamos na etapa da negação do sofrimento, levando os demais por diante com o nosso próprio “e daí?”, numa espiral de violência e agressividade gratuita. Inspiramos cuidados, sem dúvida. E um pouco de piedade também. No carnaval, ficamos mais nus, mais loucos ainda porque afetados pelo sol abrasador e pelos delírios daí decorrentes.
Texto cristalino , obrigada.
Obrigado, Luciane! Um abraço!