Há uns anos eu tinha um certa implicância com Yamandu. Eu achava que o menino virtuose estava além de uma economia no toque e ficava sempre comparando-o (injustamente) a outros violonistas, como, por exemplo, Raphael Rabello e Baden. E, nessa comparação, notava, ou melhor, não notava um elemento nele, de brilho, pelo qual me parecia que às vezes passava batido, o Yamandu.
Lembro que na última vez que Paco de Lucia andou em Porto Alegre coincidiu com uma apresentação de Yamandu e deram um jeito de que o andaluz fosse observar o prodigioso guri de Passo Fundo. Isso foi em 2013, um ano antes de sua morte e Paco foi pessoalmente aos camarins para cumprimentar Yamandu. Teria dito lá, de acordo com registros, que estava diante de “algo completamente diferente, original”.
Era Paco de Lucia elogiando e eu, Lucio Carvalho, com as minhas ressalvas sem pé nem cabimento. Pois é. De vez em quando, não adianta que mesmo uma autoridade incontestável edite uma lei, se a lei não cala.. Ora, Paco de Lucia..
Mas uma coisa que eu nunca tive dificuldade é de dar o braço a torcer. Ao invés de me aferrar na pretensão da certeza, eu cedo basta que seja convencido pelos outros ou, ainda mais usual, convença a mim mesmo de que não estava certo ou de que decaíram as minhas ressalvas. É das poucas coisas que me orgulho em mim mesmo, aliás, essa capacidade, mesmo que as outros pareça “incoerência” ou “capitulação”.
Nesse vídeo abaixo eu acho que entendi o que impressionou Paco ao conhecer Yamandu. Não é pelo que eu achava que ele deveria ter, mas pelo que ele tinha de melhor. No caso de Yamandu, o vigor do ataque da mão direita treinado na música do sul, menos doce e delicada que a do norte, sem dúvida, mas que responde por certo sotaque aos dedos, se é que isso existe. Acho que existe..
Logo no começo do vídeo, se pode ver que Yamandu não apenas aprendeu a silenciar e cadenciar sua potência pelo choro, por incorporar traços da tradição do violão brasileiro ao seu ritmo desembestado, mas ali por volta dos 43 minutos do vídeo é possível ver Yamandu executando uma chacarera, ritmo do norte argentino, e deixando ver que às vezes a delicadeza pode muito bem ser expressa de muitas formas, e que sua platinidade, por outro lado, é o que lhe diferencia em essência e característica.
Ao brilho que no meu juízo faltava a Yamandu, realmente eu não só o encontro hoje com mais naturalidade como vejo muito mais em sua técnica. Vejo que no fundo ele não abriu mão da sua essência, mas ampliou seu universo sem abandonar o seu mundo de dentro. É lá onde está a dinamite intacta da sua potência e certamente foi o que Paco percebeu nele antes de mim. Questão de ouvido. Deve ser..