Se não tivesse ainda alguma dúvida, o cartazinho esfarrapado colado ao poste nem teria me chamado a atenção. Teria passado os olhos por ele e me fixado no céu azul por detrás do arvoredo da rua. Limpo e azul, céu de um frio tão impermeável que até os passarinhos o evitavam, escondidos nos galhos mais grossos, sem um pio que se ouvisse.
Esperando a vez no dia mais gélido do ano, sem ir pra frente nem pra trás e sem mais o que olhar de tanto tempo ali, não sei como, mas guardei o número comigo, como se ele tivesse sido por mágica impresso por dentro das pálpebras. Logo eu, que nunca fui bom de guardar números.
Mas aquele era um cartaz que tinha tanta eficácia de promessa que eu me vi obrigado a repensar se ainda usaria uma chance mais de vê-la na minha frente. A sua cara mais inconfundível. Desenxabida mor.
Só que, pra cumprir a sua promessa, “trazer de volta”, a criatura ainda precisava ser minha. Ainda precisava ser o “meu amor”, mas será que era mesmo? Amor? E meu?
Eu não sei…
Desde quando a gente sabe, aliás, que deixa de ter o outro, se o outro é sempre mais hábil em esconder isso do coração da gente do que a gente pode perceber?
E pra ser “meu”? Não é preciso mais que eu assim o sinta? Ou que ela, vá lá, que esperança… ela também se sinta assim? Ou basta só a vontade de um e outro dobrando os joelhos, justo, ao sentimento vizinho, mas, ainda assim…
Por essas dúvidas e outras que talvez seja melhor deixar tudo isso de lado. Melhor, muito melhor, é adiantar o passo e deixar anúncio e poste pra trás. Deixar tudo pra trás. Isso sim seria uma solução e nada disso de trazer de volta, nada disso de revolvido, nada disso de requentado.
Além do mais, “de volta” vai quem foi pra voltar dali há pouco e não pra sempre, conforme o prometido. De volta vai quem a quem o destino é o mesmo nosso, ou pelo menos o pretende como seu.
Mas será que não?
“Posso pagar em vezes?”, eu perguntaria quando o nome me atendesse.
Não. Parar com isso, já, meu amigo, digo-me. Oriento-me. E a fila, sem falar nisso, já vai andando mesmo.
Mas, se voltar, de fato, que seja sem promessa alguma. Não mais. Seja naquele vestido de flores escondidas em seu nome, que só eu soube. A única maneira admissível.
Sete dias e, então, na próxima terça-feira, de volta.
E no rádio vai tocar a música do nosso noivado, num bandolim de cordas dobradas como se fosse tocado por anjos – e verdadeiros.
Ou então não pago nada. Ou o dobro, pra que tome distância segura. Desapareça ainda que isso me abandone na desassistência de mim mesmo, que tanto se me dá? Que vai mudar? Não pago nada e ponto. Já me gastei de tudo o que devia e o que não era devido. E tudo anotado aqui ó.
Sete dias é tempo o bastante até pra que eu me ponha longe daqui e, quando ela voltar, eu não esteja mais. E é só por isso mesmo que aceito pagar. Use o que for preciso. Feitiço, vela, mandinga, que me importa… O “meu” amor de volta, contanto que eu não esteja mais aqui.