Até o carro enguiçar ou o pneu furar, nenhuma viagem ainda começou. Antes, é preciso olhar para os lados e encontrar o horizonte interminável dando para o nada absoluto. Também ter esquecido de calibrar o estepe a ponto de que nem para sentar um pouco, como um banco improvisado, ele ainda sirva. A viagem começa mesmo é no instante em que a ameaça da chuva se concretiza e o mundo parece que vai ser virado do avesso com a ventania e tudo o que ela revolve consigo: telhas de casas distantes, pequenos pássaros órfãos, plumas, cascas e galhos e folhas de árvore e tanta poeira que não é possível imaginar o que está a um passo daquele atracadouro, aquele lugar nenhum, onde se foi parar.
Mas é depois disso que é possível começar a ir algum lugar.
O caminho é curvo e nunca se sabe o que há logo a seguir. Pode haver uma oficina escondida entre os matos, como se interposta por Deus, um restolho improvável de civilização. Ou uma casa com as janelas abertas e luzes convidativas. Uma criança caminhando por aquela direção: em suas mãos uma jarra de água fresca. A fresta por onde um talho entre as nuvens, pleno azul, indicará finalmente o estio.
As roupas trazem o ruído da água e de repente é possível sentir-se como um anfíbio, um sapo ou salamandra e o destino dela, mutuamente submerso e terrestre (aéreo?) parece, mesmo, muito promissor. Há o que de perigo em andar na chuva, molhado da cabeça aos pés? É a mesma substância. E a estrada vaza água ainda, o que, de todo o modo, facilita percorrer o caminho.
De repente, num soslaio, até ela (a estrada) parecerá uma pintura falsa, como uma reprodução pendurada à parede de casa (a casa antiga, casa da infância) para a qual, nos dias infinitos de inverno do passado, era o que havia para olhar quando a luz faltava em decorrência dos temporais semanais que, com o tempo, também inundaram tudo – mas a estrada não.
O bom de viajar é encontrar os pés no chão e o desconforto da incerteza se passará alguém do lado inverso, sentido contrário, para algum socorro. É uma solidão sem sinal de telefonia e o interesse desdenhoso da natureza olhando em sua direção um momento só, por dentro dos olhos dos bovinos que estão por ali tão à deriva no mundo quanto você.