Desde que assumi a subsindicância do condomínio onde vivo tenho sido permanentemente aliciado para a corrupção. É impressionante. Depois da experiência, estou até quase perdoando os corruptos contumazes. É mesmo um feito resistir às vantagens ilícitas que são oferecidas a qualquer um, mesmo em se tratando de um reles subsíndico como eu.
Esses dias precisamos arrumar o portão do prédio, que dá para a garagem. Aproveitei a ocasião e pedi para verificaram um problema no meu portão interno, que o condomínio não tem nada a ver, em absoluto. Na hora de fazer o pagamento, a oferta com aquele sorriso diabólico do corruptor: “Deixa que eu ponho tudo na mesma nota…”, disse o nobre prestador de serviços.
Senti-me como Eva diante da maçã e a nota ali na minha frente, bastando uma rubrica para ficar tudo por isso mesmo, a própria serpente da danação. “Não precisa, imagina…”, respondi ao sujeito que, depois disso, acabou tendo de ficar sozinho no seu constrangimento.
Ontem, outro prestador de serviço. Dessa vez um eletricista que veio consertar a célula fotoelétrica. Orçamento acordado, aquela coisa e, na saída, pimba! De novo! Dessa vez a oferta era a de colocar também na nota de serviços o material que foi preciso comprar na ferragem, para o qual já tinha nota, não precisava de outra. Mais uma vez o convite malicioso, tipo assim me convidando para o estranho paraíso dos pequenos pilantras, junto a um cartão para o caso de “outras necessidades”. De novo apliquei a minha cara zen-budista até o sujeito perceber que não me interessava a sua proposta.
Na hora fiquei pensando: dois chamados, duas ocorrências. Vai ver todo mundo é corrupto mesmo e eu achando que esse era um papo furado aplicado apenas para o caso de amigos ou amados flagrados em malversações. Ou então, desgraçadamente, eu é que tenho cara de quem está sempre apto e a fim de levar um “purfa”… Pode ser, afinal quem sabe o que os outros veem na gente? De repente, tenho cara de malandro mesmo. Paciência, que é que eu vou fazer?
E também fiquei pensando que, se na ínfima burocracia condominial a ocorrência de aliciamentos é de 100%, que dirá nas altas esferas e altos empreendimentos pagos com dinheiro público. Deve ser 100% de corrupção fora o ágio.
Só lamento é que, no meu universo de observação, os envolvidos não sejam pilantras graúdos, desses que eu desejaria ver mofando na cadeia, mas pessoas humildes, provavelmente habituadas nisso por vantagens menores, muitas vezes insignificantes. Provavelmente, sim. Isso mesmo. Mas a questão de definir o que é significante é muito individual. Tem muitas coisas e gestos que eu acho mesmo insignificantes, pequenos crimes, e jamais me ocorreria puni-los ou bancar o moralista. Casos assim são recorrentes, lamentáveis e normalmente julgados com rigor absurdo, enquanto outros incrivelmente não são.
Seja como for, me enche de tristeza ver trabalhadores humildes recorrendo a expedientes desse tipo. Decerto não temem por isso, mas o fato é que se expõem de uma forma muito absurda, quase obscena. Sei que há nisso uma violência embutida que quase ninguém percebe, ainda mais nesses tempos de justiçagem generalizada, mas, paciência… A pessoa decide que vale a pena correr o risco e aí, no fim das contas, acho que não está nem aí para o que os outros pensam ou vão pensar. É um modus vivendi dos mais comuns.
Essa e outras intercorrências, com outras espécies de estupidez deliberada, têm me feito pensar que os síndicos são pessoas talhadas para os mais duros desafios da vida contemporânea. Ou é o assédio incansável de corruptores ou é o desleixo deliberado do seu vizinho de porta. Quer dizer que a pessoa assume a incumbência de ajudar a coletividade e é levado a provações morais incalculáveis, de quebra tendo de ser um exemplo de cortesia e civilidades e, obviamente, sendo o suspeito preferencial da corrupção endêmica que parece assolar a sindicância de um modo geral.
Bem dizia um amigo meu, com experiência no assunto, que se pode exigir tudo de um síndico, menos fé na humanidade. A frase é de letreiro de caminhão, mas tem 110% de verdade, já descontada a Lei do Gérson embutida.