Ricardo Guiraldes (1886-1927)
trad. do espanhol
Eu já me perdi de mim mesmo.
Às vezes, tomo as lembranças entre as mãos, com carinho, e busco a infância distante, onde ficaram minha fé e minha força. Eu as vejo ainda lá, detrás de uma intransponível transparência no tempo mostrando com desprezo minha impropriedade de agora e mais admiro a chama tremeluzente de sua firmeza.
Perdi-me de mim mesmo quando mais fundo me busquei, como se a força de viver houvesse morrido.
Levo meus braços a frente e o que há é um sem fim. Como alcançar?
Espero.
Uma voz maior me dirá: Vem!
E, a partir daí, caminharei com tudo revelado, de joelhos, num campo de feridas, carregando na garganta o travo da vitória.
O fim dessa dor será antecipado pela foice dos meus passos, como uma saudação do trigo ante a segadora.
Perdi-me de mim mesmo e espero.
Senhor, eu tenho os braços estendidos…
O homem sofre a sua vergonha na minha carne.
As palavras hostis e as ofensas me parecem a verdadeira fortuna.
A culpa de cada um é de nós todos. Por que não sofrê-la? Preciso aprender:
a resistência à dor que tuas mãos me impõem;
serenidade intransponível ante a quem me ultraja.
E, melhor que julgar aos demais, limpar-me das próprias imundícies.
Se tenho ao alto as mãos, quanto mais baixo meu gesto aconteça, que ele então seja esquecido.
[Fé. In: Poemas místicos. 200 exemplares publicados por Adelina del Carril de Guiraldes. Buenos Aires, 1928.]
