O normal para as pessoas de todas as épocas sempre foi viver num ou noutro período de guerra, em períodos de dificuldade tremenda, de escassez e penúria. Dificilmente uma geração passaria inteira sem atravessar ou vivenciar alguns eventos histórico marcantes. Me basta pensar nos meus pais, por exemplo, que nasceram antes da Segunda Guerra Mundial. Ou dos meus avós. Esses atravessaram duas guerras, pandemias, ditadores de toda a espécie e nem antibiótico tinha. Meus bisavós viveram uma época em que chegar aos cinquenta anos já era longevidade. E nem havia infância para esse pessoal. Eles pulavam direto das calças curtas para a vida adulta, de trabalho sem facilidades e tecnologia rudimentar, morando em lugares sem estrada, num interior sem horizonte e nem tempo certo.
Mas o destino teria me oferecido (por alguma razão mágica) viver nessa paz perpétua, nessa fruição consumista sem dano e nem tragédia à vista. Nem a ditadura militar, o período mais complicado da história recente, eu vivi direito. Quando dei por mim como ser vivente, já estava tudo se encaminhando para Tancredo e a Nova República. E depois, o mundo político foi mais ou menos sempre um levar com o abdômen o status quo, sem grandes mudanças.
Nas aulas de História no colégio eu até ficava pensando em como teria sido viver em situações e momentos terríveis, mas como um exercício mental mesmo. E não é que se vivesse um estado de coisas equilibrado, mas aparentemente estava meio dado que as coisas seriam meio essa pasmaceira. Sem muro de Berlim, as crises seriam sempre apenas marolinhas na boca dos experts e logo a pujança capitalista sanaria – num passe de mágica – dificuldades imensas, heranças terríveis como a escravidão e uma desigualdade econômica incontornável, sem par no mundo civilizado e que alimenta uma sociedade abertamente violenta, só na fachada feliz.
Não me espanta que morram agora 4000 pessoas/dia e nada aponte no cenário que a sociedade possa mudar o rumo das coisas. É claro. É claro que não. Vivemos no show de Truman, no show do Zuckerberg, causando uns aos outros e não queremos acreditar que essa é uma época trágica protagonizada por nós mesmos e que nos pegou infantilizados ao extremo. E quando eu vejo a geração de septuagenários morrendo, octogenários, eu fico meio em pânico porque com a sua memória se vai a lembrança de como era necessário ser bravo para viver.
Dê uma senha de wifi e umas moedas ao povo e está garantido o show de patetas que nós nos tornamos. Nem originalidade temos nas lamúrias todas iguais. É dar Ctrl + C e Ctrl + V e seguir adiante, num scroll-down sem fim. Mas se essa pandemia e esse governo for apenas o começo de uma crise maior, muito maior, nós ainda assim não hesitaremos em mentir aos nossos filhos e netos de que fizemos todo o possível. Na verdade, fizemos nada. Quase menos que salvar a própria pele, andando que nem baratas tontas, tal o nosso estado de desorientação.